Artigo
"Lampião de gás, lampião de gás,
Quanta saudade, você me traz.
Da sua luzinha, verde azulada,
Que iluminava, minha janela.
Do almofadinha, lá na calçada,
Palheta branca, calça apertada.
Do bilboquê do diávolo,
“Me dá foguinho”, “Vai no vizinho”,
De pular corda, brincar de roda.
De Benjamin, Jagunço e Chiquinho,
Lampião de gás, lampião de gás,
Quanta saudade, você me traz.
Do bonde aberto, do carvoeiro,
Do vassoureiro com seu pregão,
Da vovozinha muito branquinha,
Fazendo roscas, sequilhos e pão.
Da garoinha fria fininha,
Escorregando pela vidraça,
Do sabugueiro grande e cheiroso
Lá no quintal, da rua da Graça.
Lampião de gás, lampião de gás,
Quanta saudade, você me traz.
Minha São Paulo, calma e serena,
Que era pequena, mas grande demais,
Agora cresceu e tudo morreu,
Lampião de gás, que saudade me traz".
Estima-se que haja mais de 3000 músicas fazendo de alguma forma, citações à cidade de São Paulo.
No dia 16/04/2022 serão quase 11 anos desde que se apagou nosso último lampião de gás.
Não soube que algum meio de comunicação, tenha divulgado ou questionado a ingratidão que cometemos com a figura abordada abaixo. Não encontrei uma lauda sequer em quaisquer órgãos da mídia, mencionando o fato, puro passado paulistano...
Tenho gravada a edição do inesquecível "São Paulo de Todos os Tempos", conduzido pelo memorável jornalista Geraldo Nunes, na extinta rádio Eldorado AM. Neste saudoso programa, descreveu a história comovente de Zica Bergami. Compositora, escritora e pintora, foi a doce autora de "Lampião de Gás", que com ela, recebeu o Troféu Zequinha de Abreu em 1959.
Composta por Zica em 1957, a valsinha retratava as recordações de uma São Paulo dos sonhos, com crianças brincando nas calçadas e casas com quintais e bondes circulando tranquilamente. Além, é claro, de lampiões de gás nas ruas; um inocente retrato de sua cidade do coração, posteriormente desfigurada com seu crescimento desordenado, lamentando as consequências do irreversível e selvagem progresso. A singela canção se tornou um sucesso nacional ao ser gravada por Inezita Barroso no ano seguinte. Regravada por diversos artistas, ganhou até versão em japonês. O incentivo para procurar Inezita e gravar a música foi do poeta Guilherme de Almeida.
Em 1984, foi agraciada com a Grande Medalha de Prata no Centro Internacional D'Art Contemporain, em Paris. Apresentou belíssimos trabalhos em salões e mostras de arte, revelando sua inconfundível maneira de desenhar com tinta nanquim. Estava sempre disposta a relatar suas histórias dos bons tempos no interior e do passado fulgurante em São Paulo. Sua primeira exposição individual teve apresentação de Sérgio Milliet. Mais tarde é incentivada pela crítica de arte Ernestina Karmann.
Participou ainda, de inúmeras exposições em salões e galerias no Brasil e no exterior, entre elas a I Mostra Contemporânea Brasileira, a "EXPOFAIR" em Lisboa e "First Art Exposition Brazil-Holland", na Holanda. Em seus desenhos deixou sempre patente, o olhar cândido para as situações humanas, com um resultado que atingiu a universalidade, através de simples traços negros sobre papel.
Nascida em Ibitinga no interior paulista em 10/8/1913, foi batizada como Elisa Campiotti e mudou-se para a capital aos oito meses de idade. A partir dos cinco anos, passou a residir na rua da Graça, no bairro do Bom Retiro — na época um pedaço da Itália, onde construiu sua feliz e iluminada trajetória. No entanto, nossa cidade ficou mais triste, Zica Bergami nos deixou aos 97 anos de idade, apagou-se em 2011, nosso último lampião de gás!
Em 1999, a cantora Zezé Freitas gravou o CD "Zezé Freitas interpreta Zica Bergami", cantando, entre outras, "Gafanhoto chegou", "Mata o pato", "Abana o fogo", "O que é que há", "Briga de santo", 'Quantas flores", "Eu vou pra lua", "Chova chuva, chova", "Na areia", "Pimenta no rock", "Manga", "Maricotinha" e "Lampião de gás". Os desenhos do disco, são de autoria da própria Zica.
Em 2000, a gravadora MCK lançou o CD "Salada de danças", com 13 composições suas, interpretadas por ela mesma no qual cantou a música título, além de "Lampião de gás". As letras traduziam uma época da inocência e pureza de sentimentos, quando havia mais respeito pelo próximo e às instituições. Artista versátil, publicou os livros "Filhos de artistas imigrantes" e "Aonde estão os pirilampos?", com ilustrações suas — um verdadeiro mergulho no mais puro passado paulistano, onde Zica relata suas doces lembranças da São Paulo antiga.
Este preâmbulo justifica minha estranheza ao constatar a ingratidão que comentei no início. Consultando o "Guia de ruas de São Paulo", verifiquei a inexistência de uma merecida homenagem para exaltar esta paulistana de coração que adotou a capital como seu "cantinho do céu". Reparei também que muitas ruas, praças, jardins e avenidas são nomeados com "personalidades" de pouca ou nenhuma expressão para a história de nossa querida cidade.
Nada contra os homenageados, constantes na mencionada publicação e nem tampouco, de uma banal lembrança para nomear/renomear algum logradouro público — tarefa "árdua e comum", da competência dos nossos pouco inspirados vereadores em seus projetos urbanos. Exemplos? No dia 1/5/2017, a poucos metros do túnel homenageando o falecido piloto Ayrton Senna, o prefeito João Dória, inaugurou a praça Ayrton Senna no Ibirapuera. Detalhe: já existe outra praça Ayrton Senna no Morumbi.
Outro caso recente: o ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, sancionou a lei que dá o nome de Roberto Bolaños a uma praça localizada na avenida Radial Leste, em frente ao estádio Arena Corinthians, em Itaquera. O ator mexicano, morto em 2014, é famoso pelos personagens Chaves e Chapolin Colorado. Em tempo: foi um projeto do comediante e "laborioso" dublê de vereador Marquito, componente da medíocre Câmara Municipal, na gestão anterior.
Para encerrar, o rumoroso acontecimento que abalou a crônica policial em 1923. O trágico caso de Moacyr de Toledo Piza, renomado advogado, oriundo de uma família abastada e influente na sociedade paulistana da época, que na esquina da avenida Angélica e rua Sergipe, no interior de um taxi, não aceitando a negativa de uma reconciliação, assassinou a tiros a bela cortesã Nenê Romano; ato contínuo, suicidou-se. O assassino foi sepultado com honras, homenagens e com um jazigo monumento no cemitério da Consolação e, inacreditável, também nomeia uma rua bem próxima à cena do crime: a Moacir Piza, situada entre as alamedas Itú e Jaú. Repetindo: nada contra ou a favor dos exemplos citados, mas...
Entretanto, o esquecimento não foi total. Uma comunidade no Jardim da Conquista, na zona leste é constituída de pequenas travessas com títulos de músicas. Ligando a travessa "Somos Todos Iguais" e a "Saudade Passageira", lá está a travessa "Lampião de Gás" — certamente, por sugestão de algum morador saudosista. Embora se trate de uma modestíssima e acanhada homenagem, é o que se tem.
Que tal uma simpática pracinha, florida e arborizada, denominada praça Zica Bergami? Fica lançada a justa reivindicação. Quem a conheceu, certa e indubitávelmente, endossará esta sugestão.
Como curiosidade, eis algumas músicas descrevendo cenas do cotidiano ou lugares de São Paulo:
1 - A briga do Edifício Itália e do Hilton Hotel (Tom Zé)
2 - A cidade SP - Apocalipse 16
3 - Abrigo de Vagabundos (Adoniran Barbosa)
4 - Aclimação (Lauro Miller), na voz de Silvio Caldas
5 - Adeus Cantareira (Frederico Rossi)
6 - Aeroporto de Congonhas (Tico Terpins)
7 - Amanhecendo (Billy Blanco)
8 - Avenida Paulista (Rita Lee - Roberto de Carvalho)
9 - Bandeira Paulista (Tonico e José Russo)
10 - Barra Funda (Lauro Miller)
11 - Bartira (Billy Blanco)
12 - Bom Dia São Paulo (Tico Terpins / Zé Rodrix)
13 - Bonde camarão (Cornélio Pires, Mariano da Silva)
14 - Braz (Lauro Miller)
15 - Capital do Tempo (Billy Blanco)
16 - Carro de Bigode (Thalma de Oliveira / Filhinho)
17 - Casa Verde (Lauro Miller)
18 - Cidade cinza (CPM22)
19 - Coisas da Noite (Billy Blanco)
20 - Coração Paulista (Guilherme Arantes)
21 - Diário de um detento (Racionais MC´s)
22 - Do Lado Direito da Rua Direita (Luiz Carlos / Chiquinho)
23 - Dobrado de Amor a São Paulo (Vinícius de Moraes), na voz de Clara Redig
24 - Ê, São Paulo (Tonico e Tinoco)
25 - Estação da Luz (Herivelto Martins/David Nasser)
26 - Eu Canto São Paulo (Jorginho do Império)
27 - Fim de semana no parque (Racionais MC´s)
28 - Freguesia do Ó (Lauro Miller)
29 - Grande São Paulo (Billy Blanco)
30 - Hino à cidade de São Paulo (ZonAzul)
31 - Hino a São Paulo (Paulo Florence / Fagundes Varella)
32 - Hino do Estado de São Paulo
33 - Hino dos Bandeirantes
34 - I Love Sampa (Bel Meirelles)
35 - Ipiranga (Lauro Miller)
36 - Iracema (Adoniran Barbosa)
37 - Isto é São Paulo (Demônios da Garoa)
38 - Jardim América (Kazinho)
39 - Juca do Braz (Haroldo José / Romeu Tonnelo), na voz de Leila Silva
40 - Lá vou eu (Rita Lee)
41 - Lampião de Gás (Zica Bergami), na voz de Inezita Barroso
42 - Lapa (Lauro Miller)
43 - Luar de Vila Sônia (Paulo Miranda), na voz de Gilberto Alves
44 - Lugar de Pagode (Leci Brandão / Zé Mauricio)
45 - Maria Espingardina (Jorge Costa / Zé da Glória)
46 - Meu Enxoval (Gordurinha / José Gomes)
47 - Monções (Billy Blanco)
48 - Mooca (Miguel Ângelo e Oswaldo Cruz)
49 - Não existe amor em SP (Criolo)
50 - No Morro da Casa Verde (Adoniran Barbosa)
51 - Noturno em São Paulo (Cido Bianchi / Sérgio Lima), na voz de Dick Farney
52 - O Céu de São Paulo (Billy Blanco), na voz de Pery Ribeiro
53 - O Tempo e a Hora (Billy Blanco)
54 - Pânico em SP (Inocentes)
55 - Paulista (Eduardo Gudin/ Costa Netto), na voz de Vânia Bastos
56 - Paulista do Centenário (José Dias / Bruno Gomes / Ayrton Amorim)
57 - Percorrendo São Paulo (Zulmiro / Filisbino Silva)
58 - Perfil de São Paulo (Bezerra de Menezes)
59 - Pinga com limão (Premeditando o Breque)
60 - Poliglota ou Bidú? (Tanio Jairo)
61 - Pobre Paulista (Ira)
62 - Porque Amo São Paulo (Nelson Gonçalves / David Nasser )
63 - Porteira do Braz (Victor Simon / Liz Monteiro)
64 - Praça Clóvis (Paulo Vanzolini), na voz de Chico Buarque
65 - Praça da Sé (Adoniran Barbosa)
66 - Pro Esporte (Billy Blanco), na voz de Elza Soares
67 - Quarto Centenário (Mario Zan / J. M. Alves)
68 - Rapaziada do Braz (Alberto Marino / Alberto Marino Jr.), na voz de Carlos Galhardo
69 - Ronda (Paulo Vanzolini), na voz de Márcia
70 - Roubaram a lagosta - Adoniran Barbosa
71 - Rua Augusta (Billy Blanco)
72 - Rua Augusta (Hervê Cordovil), na voz de Ronnie Cord
73 - Rua do Ouvidor (Newton Teixeira / David Nasser)
74 - Rua dos Gusmões (Adoniran Barbosa)
75 - Samba do Arnesto (Adoniran Barbosa e Alocin)
76 - Sampa (Caetano Veloso)
77 - Sampa Midnight (Itamar Assumpção)
78 - Sampa no Walkman (Ultraje a Rigor)
79 - Samuel (Passo Torto)
80 - São Paulo (Ricardo Galeno)
81 - São Paulo (Thomas Roth / Luiz Guedes)
82 - São Paulo Antigo (Lauro Miller)
83 - São Paulo terra da Garoa (Tonico, Tinoco / B. Trajano)
84 - São Paulo Gigante (Tonico / Ariston de Oliveira)
85 - São Paulo Jovem (Bily Blanco)
86 - São Paulo Quatrocentão (Avaré)
87 - São Paulo Querido (Romeu La Corte)
88 - São Paulo, Conte Comigo (Geraldo Nunes)
89 - São Paulo, Coração do Brasil (David Nasser/Francisco Alves)
90 - São Paulo, Mãe Madrinha (Elzo Augusto)
91 - São Paulo, São Paulo (Premeditando o Breque)
92 - São, São Paulo (Tom Zé)
93 - Saudades de São Paulo (Paraguassú)
94 - Silêncio no Bixiga (Geraldo Filme), na voz de Beth Carvalho
95 - Te amo São Paulo (Tom Jobim)
96 - Tradição (Geraldo Filme)
97 - Trem das Onze (Adoniran Barbosa)
98 - Triste Margarida - Samba do Metrô - (Adoniran Barbosa)
99 - Trombadinha - São Paulo by day (Joelho de Porco)
100 - Um Samba no Bixiga (Adoniran Barbosa e Elis Regina)
101 - Vem Cantar Comigo (Adoniran Barbosa)
102 - Vem Pra Roda Pra Versar (Maurinho da Mazzei), na voz de Beth Carvalho
103 - Viaduto Santa Ifigênia (Adoniran Barbosa e Alocin)
104 - Vide verso meu endereço - Praça da Bandeira e Ermelino (Adoniran Barbosa)
105 - Vila Esperança (Adoniran Barbosa / Marcos Cezar)
106 - Vila Prudente (Lauro Miller)
107 - Viva o Camelô (Billy Blanco), na voz de Miltinho
108 - Voz Unida (Mauricio Tapajós / Paulo Cezar Pinheiro), na voz de Sônia Santos
Sampa no Walkman é dos Engenheiros do Havaii. Abraço!
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