terça-feira, 23 de agosto de 2022

História dos Cursos Jurídicos no Brasil - Artigo

 


História dos Cursos Jurídicos no Brasil - Artigo
Artigo




O primeiro curso jurídico a ser proposto no Brasil foi o da Corte, por decreto de 9 de janeiro de 1825, inicialmente em caráter provisório, com o objetivo de instruir alunos com conhecimentos em “direito natural, público, das gentes, e das leis do Império” para a formação de futuros magistrados. No entanto, esse curso não chegou a funcionar e, somente em 1827, por lei de 11 de agosto, seriam instituídos cursos de ciências jurídicas e sociais, nas cidades de São Paulo e Olinda.
Em São Paulo o curso foi instalado em 1º de março de 1828, no Mosteiro de São Francisco, pelo que é considerado o primeiro curso jurídico a funcionar no Brasil, e em Olinda no Mosteiro de São Bento, em 15 de maio de 1828.
A criação dos cursos jurídicos esteve ligada ao processo de consolidação da Independência e de construção do Estado nacional brasileiro, marcado, entre outros aspectos, pela produção de um aparato legislativo que fundaria uma cultura jurídica própria, distinta do arcabouço legal herdado da metrópole portuguesa. Se, num primeiro momento, manteve-se o instrumental legado da cultura jurídica – seus tribunais e quadros burocráticos da metrópole – não podemos desconsiderar também a influência exercida pelas novas ideias provenientes das revoluções liberais. Essa produção legislativa constituiria a base jurídico-legal do Brasil independente, da qual faria parte a Constituição de 1824, o Ato Adicional (1834), o Código Criminal (1830), o Código de Processo Criminal (1832), o Código Comercial (1850) e a Lei de Terras (1850).
Antes da criação de cursos jurídicos, os magistrados que compunham o sistema judicial em funcionamento na colônia eram fornecidos, principalmente, pela Universidade de Coimbra. Seria a geração de intelectuais que se formara pela matriz jurídica luso-liberal que constituiria a intelligentsia do Império e sua elite burocrática – regentes, ministros e parlamentares. Mas, também os revolucionários que conduziriam o processo de independência receberam a marca da tradição jurídica portuguesa.
A formação do Estado nacional criou uma grande demanda por quadros para composição de seu aparato burocrático, notadamente da magistratura, dada a alta produção legislativa. O número de indivíduos que possuíam diploma de Coimbra não era suficiente para atender essa exigência; a necessidade de criação de uma estrutura voltada para o aparato administrativo do Estado, bem como a necessidade de controle sobre sua formação, impôs a criação de faculdades de direito no Brasil. A preocupação do governo com a formação de seus futuros membros pode ser verificada na competência conferida ao Curso Jurídico da Corte nos estatutos de 2 de março de 1825, que estabelece que, além de preparar os futuros advogados necessários para o Império, deveria formar também “outros que pudessem vir a ser dignos deputados e senadores e aptos para ocuparem os lugares diplomáticos e mais empregos do Estado (…)”.
Além disso, a criação dos cursos jurídicos contribuiria para a ordenação do ofício da advocacia no Império, já que a profissão era exercida não apenas pelos advogados diplomados, mas também pelos provisionados. A licença para a atividade da advocacia por leigos era permitida desde o século XVII, obtida por provisão do imperador, através do Desembargo do Paço, mediante o pagamento do tributo dos 'novos direitos', além do exame teórico e prático perante os juízes de direito sobre práticas processuais, devendo ser renovada regularmente essa licença. A criação dos cursos jurídicos no Brasil fez aumentar a distância existente entre os profissionais provisionados e os diplomados, integrando o processo de institucionalização da profissão não apenas o embate entre esses dois grupos pelo monopólio do exercício profissional, mas também sua relação com o Estado e sua estrutura burocrática, além da luta por autonomia profissional.
O estatuto que regularia os cursos jurídicos de São Paulo e Olinda foi elaborado para o curso jurídico que se pretendeu estabelecer na Corte por José Luiz de Carvalho e Melo, visconde da Cachoeira, conselheiro de Estado e um dos redatores da Constituição imperial, formado em direito pela Universidade de Coimbra. Pela lei de 11 de agosto de 1827, compunham a estrutura dos cursos jurídicos de São Paulo e Olinda nove lentes proprietários e cinco substitutos, além de um secretário e um porteiro. Os professores seriam responsáveis pela escolha dos compêndios de suas disciplinas, cujas doutrinas deveriam estar em acordo “com o sistema jurado pela nação”, e deveriam ser aprovados pela congregação de professores.
Para matricular-se o estudante deveria apresentar certidões que comprovassem a idade de quinze anos completos e a aprovação em língua francesa, gramática latina, retórica, filosofia racional e moral e geometria, o que o habilitava a submeter-se ao exame de ingresso. O curso teria duração de cinco anos e sua conclusão garantiria o grau de bacharel formado; para obter o título de doutor, o aluno já formado deveria defender teses publicamente, escolhidas entre as matérias que aprendeu no curso jurídico.
Essa estrutura curricular, prevista pela lei de 1827, copiava a do curso de direito da Universidade de Coimbra, o que evidenciava mais as raízes do antigo regime português do que a influência liberal. Na verdade o ambiente intelectual dificultava o estabelecimento de uma cultura jurídica própria distinta da herança portuguesa. As disciplinas a serem cursadas estavam dispostas da seguinte forma: no 1º ano, direito natural, público, análise da Constituição do Império, direito das gentes e diplomacia; no 2º ano, continuação das matérias do ano anterior, acrescido o estudo de direito público eclesiástico; no 3º ano, direito pátrio civil, direito pátrio criminal com a teoria do processo criminal; no 4º ano, continuação do direito pátrio civil, direito mercantil e marítimo; e no 5º ano, economia política e teoria e prática do processo adotado pelas leis do Império.
Em 1828 seria autorizada a criação de novos cargos para compor a estrutura dos cursos jurídicos: um oficial de secretaria, dois contínuos e um correio, aprovados para São Paulo pelo decreto de 30 de setembro e para Olinda, por decreto de 5 de novembro. Pelo decreto de 7 de novembro 1831 eram aprovados, provisoriamente, os novos estatutos para os cursos jurídicos, que incorporavam às suas organizações as cadeiras responsáveis pelas matérias exigidas para o exame, isto é: latim; francês e inglês; retórica e poética; lógica, metafísica e ética; aritmética e geometria; história e geografia. Assim, os cursos jurídicos tornavam-se responsáveis por ministrar os conhecimentos necessários para o ingresso de novos alunos em seus quadros.
O funcionamento inicial dos cursos jurídicos em São Paulo e Olinda foi bastante precário. Instalados, respectivamente, nos Conventos de São Bento e de São Francisco, as dificuldades enfrentadas eram de várias ordens, como a inadequação dos prédios, disciplinas pouco ajustadas à demanda legislativa após a Independência, descontentamento com a qualidade e assiduidade dos professores e permanente conflito com os alunos. Essa conjuntura não favoreceu a formação de uma cultura jurídica própria, adequada às peculiaridades advindas do ajuste entre o liberalismo e a presença da escravidão no país.
A partir da segunda metade do século XIX, os cursos jurídicos passaram por sucessivas transformações. O decreto n. 1.134, de 30 de março de 1853, determinou um novo estatuto, mudando a denominação de “Curso Jurídico” para “Faculdade de Direito”. Esse ato, entretanto, foi substituído no ano seguinte, pelo decreto n. 1.386, de 28 de abril, que estabeleceu ainda que a congregação de lentes deveria submeter um regulamento complementar para ser aprovado pelo governo, que foi implantado pelo decreto n. 1.568, de 24 de fevereiro de 1855.
Em novembro de 1854, o curso de Olinda foi transferido para Recife. De acordo com o ministro e secretário de Estado dos Negócios do Império, Luiz Pedreira do Couto Ferraz, “a transferência daquela faculdade era uma das suas primeiras necessidades desde muito tempo, e por vezes muito reclamada” e sua aprovação levou em conta “não só a comodidade dos alunos, mas também as exigências do ensino e a fiscalização do serviço”. Os problemas de estrutura do prédio e o isolamento da faculdade de Olinda eram as principais reclamações. Com a transferência, as acomodações continuaram sendo motivo de queixas, porém, foi na nova sede que o curso iniciou um período de maior produção intelectual.
O decreto n. 3.454, de 26 de abril de 1865, determinou novos estatutos às faculdades de direito do Império, dividindo-as em dois cursos distintos: um de ciências jurídicas, com duração de quatro anos, e outro de ciências sociais, com três. O currículo do curso de ciências jurídicas era composto pelas aulas de direito natural privado e público, direito romano, análise da Constituição do Império, direito criminal, direito civil pátrio, direito comercial e marítimo, teoria e prática do processo e direito eclesiástico. Já no curso de ciências sociais, os alunos estudariam direito internacional e diplomacia, direito administrativo e economia política, além de direito natural privado e público, análise da Constituição e direito eclesiástico, disciplinas também estudadas no curso de ciências jurídicas. A frequência na cadeira de direito eclesiástico era facultativa, tendo sido previsto no decreto que esse curso poderia ser suprimido assim que fossem criadas faculdades teológicas e o governo julgasse conveniente.
Pouco depois, na década de 1870, surge no Brasil um movimento influenciado pelas novas escolas europeias de pensamento, ou “um bando de ideias novas”, como definiu Sílvio Romero, um dos expoentes desse movimento, junto com Joaquim Nabuco, Tobias Barreto, Alberto Sales, André Rebouças, dentre outros. Esse grupo de letrados, que ficou conhecido pela historiografia como “geração de 1870”, absorveu, disseminou e fez uso político das teorias e escolas filosóficas em voga na Europa, como o darwinismo, o positivismo, o spencerianismo e o liberalismo.
As faculdades imperiais, sobretudo as de direito, tornaram-se espaço de sociabilidade e propagação dessas novas ideias. Parte desse processo esteve relacionado à dissidência liberal dos últimos anos da década de 1860, que abriu novas possibilidades políticas e espaço para manifestações. Além disso, a partir dos anos 1870, o perfil do alunado deixou de ser homogêneo, agregando estudantes de camadas menos abastadas ou que, apesar de possuírem recursos financeiros, não tinham ligação pessoal ou de parentesco com a elite imperial. Tais alunos, ao se formarem, não conseguiam ter acesso aos postos mais elevados da administração, que continuavam a ser ocupados pelas famílias mais tradicionais e acabavam se tornando oposição ao governo imperial. Esse contexto facilitou a circulação da propagação de novas ideias políticas nas faculdades como, por exemplo, o positivismo.
Em 1879, foi promulgada a Reforma Leôncio de Carvalho, que estabeleceu o ensino livre, através do decreto n. 7.247, de 19 de abril de 1879. No que tange ao ensino superior, autorizou a fundação de faculdades livres, desde que seguissem o currículo e os exames das imperiais, e regulamentou suas formas de funcionamento, inaugurando, desse modo, o ensino superior privado no Brasil. O decreto suspendeu ainda a frequência obrigatória nos estabelecimentos de instrução superior dependentes do Ministério do Império. E por fim, reformou os cursos superiores imperiais.
A Reforma Leôncio de Carvalho foi o último ato que reestruturou as faculdades de direito no Império, apesar de o decreto n. 9.360, de 17 de janeiro de 1885, ter instituído novos estatutos, estes foram suspensos pelo decreto n. 9.522, de 28 de novembro do mesmo ano.

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