O vagão Camarote conta com cabines exclusivas para até 4 pessoas e uma decoração clássica.
Como é o Passeio de Trem de Curitiba a Morretes - Artigo
Artigo
Há umas três décadas, meu pai dirigiu seu Fusca até Curitiba levando toda a família para um passeio que seria inesquecível. Desde então, a capital paranaense se tornou uma parada quase obrigatória nos roteiros das nossas road trips para o sul do país, seja para dar uma passadinha no Jardim Botânico ou só fazer uma parada para comer. Na minha família, nós temos até um bordão: “se sair de casa às seis da manhã, estará comendo em Santa Felicidade na hora do almoço”. E vamos combinar, quem não gostaria de encher o bucho com um rodízio de massas do Madalosso em uma segunda-feira qualquer?
Eis que escolhemos Curitiba como destino para nossa primeira viagem depois do isolamento pandêmico. Eu queria rever os pontos turísticos que tinha conhecido quando criança, mas também fazer um roteiro diferente, com coisas que meus pais ainda não estivessem enjoados de ver. A solução foi convencê-los a fazer o passeio de trem pela Serra do Mar Paranaense, entre Curitiba e Morretes.
Os vagões, as passagens e os pacotes:
Responsável por operar o trajeto de trem há 25 anos, a Serra Verde Express atingiu a marca de 4 milhões de passageiros transportados em abril de 2022. A empresa possui várias classes de vagões. A econômica é a única que não foi feita pensando no passeio, mas sim nos montanhistas que usam o trem como meio de transporte até as trilhas do Parque Estadual do Pico do Marumbi. Por isso, nessa categoria os assentos são de plástico e não há guia ou serviço de bordo. Já na classe Turística, com maior número de vagões (20 no total), as janelas são grandes e as poltronas, duplas e estofadas. As classes Boutique e Litorina, por fim, são as mais sofisticadas, com decorações temáticas e características específicas em cada vagão. O Bove, por exemplo, permite a entrada de pets. Além disso, essas duas categorias possuem ar condicionado, acompanhamento de guias bilíngues e serviço de bordo com mais opções de lanches e bebidas.
Embarcamos na classe Turística, decisão da qual não me arrependo em nada. Na falta de ar condicionado, as amplas janelas podem ser abertas, o que também permitiu que eu me inclinasse para ver as atrações que ficam um pouco fora da linha de visão do trem, como o Santuário Nossa Senhora do Cadeado, que fica em cima de um paredão. Nosso vagão foi acompanhado pela guia Angelita, que indicava e contava a história de cada um dos pontos de interesse pelo caminho. Além disso, logo no começo do passeio ela criou uma “política de boa vizinhança” para que as pessoas compartilhassem seus assentos e janelas. Assim, o pessoal sentado do lado direito pôde apreciar a vista do lado esquerdo e vice-versa. Quanto ao serviço de bordo, o preço da passagem inclui uma bebida, que pode ser uma lata de refrigerante ou água, e um lanche, que é uma caixinha com biscoitos doces e salgados.
Agências de viagem locais vendem pacotes que incluem não só o trajeto de trem entre Curitiba e Morretes como também o traslado até a estação, passeios pelas cidades litorâneas de Morretes e Antonina e o transporte de ônibus na volta para Curitiba. Algumas pesquisas na internet mostraram que não compensaria tentar fazer todo esse passeio por conta própria: ficou claro que as agências cobram preços justos pelos pacotes e incluem paradas em lugares que nós nem sabíamos da existência. Fechamos o programa com a própria Serra Verde Express, que cobra R$ 339 por pessoa para esse tipo de pacote. Há descontos para crianças, idosos e estudantes como eu, que apresentei a carteirinha digital presencialmente no balcão da Serra Verde, na rodoferroviária de Curitiba, e paguei R$ 283,20.
As decepções e as alegrias do percurso sobre trilhos
Como estávamos hospedados no Hotel Lancaster, no centro da cidade, pudemos usar o serviço de transfer incluído no pacote (hotéis situados a mais de 7 quilômetros da rodoferroviária não são atendidos pela Serra Verde Express). Arcanjo, nosso motorista, estacionou a van em frente ao hotel lá pelas 7h20 da manhã. Ao chegar na estação ferroviária, conhecemos o Batata, guia que acompanhou nosso grupo de dez pessoas em todos os passeios fora do trem. Ainda não eram nem 8h da manhã e, como o embarque só começa às 8h15, tivemos que esperar um bom tempo, em pé, em meio a uma pequena multidão ansiosa.
Os assentos e vagões são marcados durante a compra dos bilhetes. Por isso, mesmo com muita gente na plataforma, nosso embarque no Vagão Turístico 16 aconteceu sem grandes complicações. A guia do vagão auxilia na acomodação dos passageiros e, antes mesmo do trem começar a rodar, se apresenta para dar as instruções de segurança da viagem.
Quando começamos a sair do lugar, os trancos e a lentidão me fizeram pensar que o trem não conseguiria chegar em Morretes em quatro horas. A velocidade máxima atingida nos trilhos é de 40km/h, mas nesse começo o trem mal chega aos 20km/h. Para piorar, esse primeiro trecho do percurso é pela área urbana de Curitiba e os cenários são compostos pelos fundos das casas, com varais lotados de calcinhas e cuecas.
A guia até tentava animar o trajeto, avisando que estávamos passando por trás do Jardim Botânico e de outros cartões-postais. Mas a verdade é que não dá para ver nem um centímetro das primeiras atrações descritas no mapinha que todos recebemos no embarque. Deixando a capital para trás, as cidades de Pinhais e Piraquara misturam esse padrão de casas e quintais com propriedades rurais. É aí que você começa a apontar para as araucárias, falando “olha, que legal!”, como se as árvores fossem um alívio para os olhos.
Tudo muda depois do Túnel 13. Assim que os 452 metros de escuridão dessa passagem dão lugar à luz do dia, a Mata Atlântica cerca o trem com suas bromélias, orquídeas, ipês e manacás. A partir desse ponto também começam a surgir outras atrações, incluindo a construção histórica da Estação do Banhado e as ruínas da Roda d’Água e da Casa do Ipiranga. Como a natureza é exuberante e fechada ao redor dos trilhos, havia uma certa ansiedade em encontrar brechas de mata que permitissem uma vista mais ampla. Nesses momentos, os 40 km/h do trem pareciam mais rápidos do que um carro de Fórmula 1, tamanho o medo de deixar algo passar.
Quando o Rio Ipiranga surge ao lado do trem, as atrações aumentam ainda mais e a cada minuto a guia indica um lado diferente para onde olhar. O problema é que esse trecho também é utilizado para transporte de carga, o que obriga os trens a pararem quando há algum encontro. Na teoria, os trens turísticos têm prioridade de passagem porque só fazem as viagens aos sábados e domingos. Mas, na prática, tivemos que esperar dez minutos até os maquinistas decidirem quem iria primeiro. O trem de carga finalmente cedeu, mas ficou parado bem em frente ao Reservatório Marumbi, que não pudemos ver nem um centímetro. Pelo menos esse não era um dos momentos mais aguardados do roteiro.
O ponto alto (literalmente) do passeio:
Quando os trilhos atingem 952 metros de altura, a vista é mais ampla para os picos montanhosos e os vales formados pelo Rio Ipiranga. Para vê-los, é preciso estar do lado esquerdo do vagão. O primeiro a aparecer é o Cânion do Ipiranga, onde duas montanhas se abrem em “V”, dando um vislumbre dos morros verdes da Serra do Ibitiraquire. Depois de passar pelos túneis 11 e 10, é possível ver o cânion por outro ângulo e notar a existência de uma fenda escura na rocha, chamada de Garganta do Diabo. Até agora não encontrei nenhuma foto ou vídeo que capturasse a luz do sol atravessando as montanhas da mesma forma que a vimos – e que tirou tantos “ah!” impressionados dos passageiros.
Mais à frente, a Ponte São João é a mais memorável dentre as mais de 40 que fazem parte do trajeto. Inaugurada em 1884, a estrutura com 113 metros de comprimento foi construída em aço na Bélgica a partir de um projeto brasileiro. A travessia sobre a ponte é empolgante, mas mais ainda é ver seu arco metálico se destacando em meio ao verde da mata, que todo mundo faz questão de fotografar. A locomotiva logo chega no Viaduto Carvalho, outro cartão postal da ferrovia. Como os trilhos desse trecho estão apoiados em uma curva do Pico do Marumbi, os passageiros que olham para baixo no lado esquerdo do vagão têm a sensação de estar voando – o que pode ser um pouco assustador para quem tem medo de altura.
Anticlímax:
Conforme o trem se aproxima do litoral, a temperatura pode ser um grande choque para os passageiros. Nosso passeio aconteceu em abril, quando a capital já marcava temperaturas na faixa dos 10°C, mas Morretes estava acima dos 20°C. Na hora de preparar o look, é bom ter isso em mente para não acabar usando uma roupa quente demais no meio de um calorão.
No litoral paranaense:
A saída na estação de Morretes foi um pouco mais demorada do que o embarque porque a plataforma é menor que a de Curitiba, mas nada que leve mais do que vinte minutos. Ao sair, meu grupo logo se reencontrou com o guia Batata e o motorista Arcanjo. Já passava do meio dia e só pensávamos em experimentar o famoso barreado, prato típico da região. Entretanto, antes do almoço encaramos mais vinte minutos de estrada até Antonina, outra cidade histórica do litoral do Paraná. O caminho é todo narrado pelo guia, que conta mais sobre a história, geografia e curiosidades da estrada e da cidade.
Nosso grupo tinha mesas reservadas no restaurante Valle Porto, um salão de pedras com cara de medieval dentro do Camboa Hotel. Fomos servidos com salada de folha e legumes, peixe frito, bolinho de caranguejo, camarão frito e arroz, além do barreado. O prato consiste num cozido de um ou mais tipos de carne bovina (geralmente de segunda e magra) preparado em uma panela de barro bem selada e exposta à temperaturas próximas aos 100°C. O cozimento é lento e, para quem não se sente confiante com o nome “barreado”, o resultado é semelhante ao de uma carne louca, mas com mais caldo. Ao fazer o prato, primeiro coloca-se umas boas colheradas de farinha de mandioca. Em seguida é misturado o barreado e seu caldo é absorvido pela farinha. Bananas entram como acompanhamento.
Depois do almoço, circulamos mais alguns minutos de van por Antonina. Nosso guia, Batata, não apressava o grupo e nos deixou livres para fazer algumas escolhas no passeio. Por decisão mútua, fizemos uma parada na estação de trem da cidade que, inclusive, está mais bonita que a de Morretes por ter sido totalmente restaurada em 2019. Sobre os trilhos, estava parado o Trem Caiçara, a Maria Fumaça mais antiga em operação no Brasil. Desde o ano passado, são feitos passeios entre Morretes e Antonina na locomotiva histórica, mas o real atrativo é o trem, não o trajeto que é feito entre 16 quilômetros de mata fechada.
No caminho de volta para Morretes, há uma parada obrigatória numa loja de fábrica de Balas de Banana Antonina. Tínhamos criado a expectativa de que conheceríamos o processo de fabricação, mas isso não aconteceu e acabamos nos contentando com a possibilidade de comprar os sabores mais inusitados de bala, como banana com pimenta. De volta à cidade, o guia nos deixou livres para circular pelo centro durante um tempo. Para os paulistanos, Morretes pode lembrar Embu das Artes, com casas históricas e feira de artesanatos.
A última parada do itinerário é o Parque Hisgeopar, que conta a história e a geografia do Paraná. O lugar se resume a um balcão preenchido com uma grande maquete de bonecos esquisitos e até um pouco assustadores, que se movem para ilustrar cenas de diferentes épocas do estado. Apesar da estética, nos surpreendemos com a experiência. Há uma guia que compartilha informações e histórias relevantes sobre o Paraná, que conversam bem com as curiosidades que tínhamos ouvido durante o passeio de trem e os tours pelas cidades litorâneas.
Quando o clima está favorável, a volta para Curitiba é feita pela Estrada da Graciosa, uma rota construída em 1873 sobre uma antiga trilha dos tropeiros. Para não descaracterizar o patrimônio histórico, optou-se por pavimentar o caminho com paralelepípedos e não asfalto, o que pode ser perigoso em dias de chuva: o chão fica liso como sabão. Assim como os trilhos do trem, essa estrada também atravessa a Serra do Mar e possui mirantes para as montanhas e o mar, mas é preciso torcer para a neblina não prejudicar a visibilidade. Quando fizemos nosso passeio, a previsão era de chuva a noite em Morretes. Saímos ao anoitecer, antes que a água caísse, e o resultado foi um retorno seguro, mas cercado de névoa e sem nenhuma vista. O jeito é voltar em um dia ensolarado, apenas para apreciar a Estrada da Graciosa.
Imprevisibilidades:
Há alguns anos, minha família viveu uma experiência frustrante na Serra do Rio do Rastro, em Santa Catarina: encaramos as 284 curvas da estrada no meio da neblina, sem ver absolutamente nada das paisagens. Lição aprendida, compramos o trajeto de trem entre Curitiba e Morretes de olho na previsão do tempo, já que a experiência do passeio varia muito dependendo das condições climáticas. Comprou a passagem e descobriu que vai chover no dia? Passados sete dias da compra, é preciso pagar uma multa de 20% do valor total pago.
Serviço:
A Serra Verde Express está localizada na Rodoferroviária de Curitiba, na Avenida Presidente Affonso Camargo, n° 330. É possível comprar as passagens pelo site e pelos telefones (41) 3888-3488 (da sede em Curitiba) e (41) 3462-1256 (da estação de Morretes). Também é feito o atendimento pelo WhatsApp (41) 98433-0546, mas as mensagens devem ser enviadas com antecedência, já que a Serra Verde pode levar até dois dias para respondê-las.
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