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domingo, 1 de dezembro de 2019
Obelisco, Praça Internacional / Parque Internacional, Santana do Livramento / Rio Grande do Sul / Brasil e Rivera / Uruguai
Obelisco, Praça Internacional / Parque Internacional, Santana do Livramento / Rio Grande do Sul / Brasil e Rivera / Uruguai
Santana do Livramento, Rio Grande do Sul, Brasil e Rivera, Uruguai
Foto Sisto
Fotografia - Cartão Postal
A Fronteira da Paz é um trecho da fronteira brasileiro-uruguaia, que abrange as cidades de Rivera (Uruguai) e Santana do Livramento (Brasil). Este nome é resultado da cultura de integração surgida da convivência internacional pacífica de ambos os povos. A fronteira entre as duas cidades é terrestre, estando elas unidas (e não separadas) por uma linha divisória imaginária através de extensas ruas, avenidas e estruturas limítrofes denominadas "marcos".
Um símbolo dessa convivência fraternal é Praça Internacional (chamada alternativamente Parque Internacional), única praça binacional do mundo, compartilhada soberanamente em partes iguais, inaugurada em 26 de fevereiro de 1943, no período dos presidentes do Brasil e Uruguai, Getúlio Vargas e Alfredo Baldomir, respectivamente, enquanto o mundo atravessava as vicissitudes da Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
A praça tem uma área de aproximadamente trinta e três mil metros quadrados, formando um conjunto simétrico de um lado e outro da fronteira internacional. Em ambos os lados do mesmo o terreno tem um declive leve uma vez que a praça foi construída em três planos adaptados à topografia. Esta diferença é compensada por escadas e rampas transversais cobertas com grama.
O plano superior situa-se sobre o largo Hugolino Andrade, que também liga as cidades de Rivera e Santana do Livramento, configurado como um espaço jardim. De frente para o citado largo, foi construído um monumento símbolo da maçonaria e da comunhão uruguaio-brasileira: o obelisco. É um prisma triangular de 15 metros de altura, em cuja base estão representados os escudos nacionais do Uruguai e do Brasil, colocados em frente de seus respectivos países. Ambos os escudos foram esculpidos no arsenal do exército no Rio de Janeiro, e doados pelo Comitê Brasileiro de Limites.
Duas amplas escadarias centrais com motivos ornamentais comunicam com o segundo nível, em cujo centro há uma fonte luminosa. Para o sul um lance de escadas conduz ao monumento dedicado à Virgem Maria. Os passeios interiores de ambos os níveis são pavimentados com desenhos artísticos, emoldurados por uma simbólica cadeia de mármore em um fundo de pedra negra.
O nível mais baixo é um amplo espaço apropriado para encontros massivos.
A Praça Internacional já recebeu três visitas presidenciais conjuntas:
Em 10 de fevereiro de 1957 o presidente brasileiro Juscelino Kubitschek e Arturo Lezama, presidente do Conselho Nacional de Governo do Uruguai nesse ano, protagonizaram o primeiro encontro de mandatários na Praça Internacional.
O segundo encontro foi realizado em 6 de maio de 1997 entre os presidentes Julio María Sanguinetti e Fernando Henrique Cardoso.
A última visita conjunta ocorreu em 30 de julho de 2010 com a presença dos presidentes José Mujica e Luiz Inácio Lula da Silva.
No começo os dois povoados foram criados com fins militares, como vigilantes mútuos dos interesses de seus respectivos países. Porém, logo surgiu uma cultura de fronteira, alimentada por a necessidade de convivência entre os dois povos, que cada vez mais foram se transformando num só, distanciando-se da visão original que os governos de seus respectivos países possuíam.
É muito comum que famílias inteiras tenham integrantes das duas nacionalidades - e muitos desses integrantes têm as duas. Também é muito frequente que pessoas que moram num lado da linha divisória, trabalhem do outro. É normal que uma pessoa fale em espanhol e a outra responda em português e vice-versa. Também existe um idioma próprio da fronteira, o portunhol fronteiriço, compartilhado por muitos e que quase todos entendem.
O estudo das convenções luso-hispânicas pelo diplomata Fernando Cacciotore em seu livro Fronteia Iluminada, nos revela a força do Tratado de Tordesilhas, cujos trabalhos se desenvolviam ao longo da cumeada da Coxilha de Santana, sobre a qual corre a linha divisória. Ele louva a ação, esclarecida, do monarca brasileiro D. João VI, na condução da política externa para com o Prata. Isso foi observado quando os membros da Comissão Mista de Limites Brasil-Uruguai perceberam que o crescimento espontâneo das cidades de Sant’Ana do Livramento e Rivera fizera com que, ao longo do tempo, construções de ambas as nacionalidades ultrapassassem os limites de seus respectivos países. Assim sendo, por convenção assinada em janeiro de 1920 entre o Brasil e o Uruguai, resolveu-se alterar a linha de limite, por entre as cidades de Livramento e Rivera, de modo a que refletisse exatamente a ocupação dos dois países pelos dois lados da cumeada em todo o trecho urbano, aspiração que já havíamos demonstrado algumas vezes entre 1895 e 1901.
Os espaços nunca são inocentes, têm memória, a nossa, individual e a coletiva, que vão se acumulando através de episódios significativos da história, expressões arquitetônicas e literárias. Como abordam os estudos sobre memória coletividade Maurice Halbwachs e Pierre Nora, os lugares da memória são como um palimpsesto. Ou seja, os pergaminhos gregos utilizados para escrita. Reutilizados, sobrepostos estão a outros, conforme o tempo os vai apagando, vão surgindo vestígios daqueles que ainda estão lá, que não se apagaram completamente. No entanto, estão todos lá acumulando historicidade como o pergaminho que se raspa para novamente escrever deixando as camadas com a escrita anterior nítida.
Embora assegure lugar na história, a memória, no entanto, exige cuidado, pois às vezes coloca relatos forjados no presente a partir de interesses e julgamentos morais. Desta forma os espaços, paisagens, cidades, pessoas, se configuram à medida que “nós escrevemos ou apagamos” as lembranças que estão dentro da memória coletiva. Precisamos olhar esse espaço transformado, destruído, desgastado pelo tempo, a cidade do passado. Foi com essa intenção que investiguei as origens do espaço que hoje denominamos Parque Praça Internacional em minha pesquisa sobre o lazer fronteiriço.
A Praça Internacional está localizada no centro das cidades de Santana do Livramento e Rivera, no coração da fronteira. Em 1851 foi assinado o Tratado de Limites entre o Uruguai e Brasil, definindo-se a necessidade de demarcação da linha de fronteira entre a localidade de Serrilhada e Masoller. Também foi definida a instalação de marcos delimitadores na extensão de toda fronteira brasileiro-uruguaia. Posteriormente, na década de 1910, a demarcação na região onde atualmente está instalada a Praça Internacional foi realizada de maneira distinta das outras.
Conforme escreveu o historiador Ivo Caggiani, a praça foi criada com objetivo de substituir o usual “divisor de águas” comumente utilizado para definir e marcar o território de fronteira: “tal método demarcatório é estabelecido pela própria natureza, quando a água da chuva, ao cair, corre uma parte para cada lado, determina a linha por onde deve passar a fronteira”. No entanto na região da futura praça, ao contrário de áreas rurais e periféricas, não foi possível instalar balizas divisórias. No espaço de aproximadamente quatro quilômetros havia construções dos dois lados que excediam a linha de fronteira. O local que divisava as casas era constituído de um terreno irregular, arenoso e com mato fechado, que ao centro abrigava uma pequena lagoa. Era o “areial” ou “tierra de nadie”, como era chamado pela comunidade fronteiriça, que se valia do local para uma série de atividades ligadas ao esporte e lazer.
A história de sua criação teve vários protagonistas, foram muitos encontros diplomáticos até a conclusão do projeto que vemos hoje. Em 1919, reuniram-se para definir os limites fronteiriços os diplomatas chefes da Comissão Mista de Limites, o uruguaio Virgílio Sampognaro e o brasileiro, ministro Mariscal Botafogo. Em 1924, na cidade de Montevidéu, em uma reunião, os dois diplomatas teriam acordado o projeto da praça comum aos dois países, determinando que no centro dela estivesse um grande marco decorativo. Em 1925, os diplomatas reunidos em Santana do Livramento, ao finalizarem as reuniões as autoridades brasileiras e uruguaias determinaram dar continuidade a construção desse espaço internacional. Surgiu a ideia de um projeto de revitalização daquele espaço: uma praça moderna, com arquitetura arrojada que servisse as duas comunidades, acompanhando a urbanização da região. Entretanto, após várias negociações e concepções arquitetônicas apresentadas, o projeto definitivo apareceu mais de uma década depois, em maio de 1938, em Rivera. O projeto urbanístico atual chegou pelas mãos do arquiteto riverense vinculado à Intendência, o maçom Modesto Paez Seré, que buscava traduzir a unidade e irmandade cultural das cidades de Santana do Livramento e Rivera, inspirados em símbolos deliberadamente maçons. O projeto estava em sintonia com os ideais dos governos uruguaio e brasileiro no momento de sua criação, pois a praça foi “construída para dividir e unir estas cidades”. Um projeto gestado para marcar a história urbanística da região que posteriormente serviria de modelo para outros países, pois se dedicava a acentuar a irmandade entre os povos.
Lembrando novamente que os espaços não são inocentes, que têm interesses e memórias distintas, Fernando Aínsa alerta que podemos descobrir “consternados, que o triunfo de la ideologia intenta ser la medida de la memoria seletiva que controla y jerarquiza.”
Assim a Praça Internacional foi inaugurada em 26 de fevereiro de 1943, quando o mundo ainda vivia os horrores da Segunda Guerra Mundial. O espaço comum, sugerido pelo ministro Vigílio Sampognaro foi constituído para “todo él brasileño, todo él uruguayo”, ou seja, livre de divisas entre os dois países em um mesmo espaço. Assim, quando penetramos nesse espaço, não estamos em um “lado brasileiro” ou em um “lado uruguaio” estamos dentro dos dois países ao mesmo tempo. Por muito tempo a comunidade e turistas que visitaram e continuam visitando a fronteira, levados muitas vezes, pelo senso comum divulgado pela publicidade e mídia, tiveram essa imagem equivocada.
O antigo Areial, transformado em um ambiente dotado de uma estética contemporânea, obedecia a um impulso modernizador dos grandes centros urbanos, ao mesmo tempo em que indicava ao mundo o exemplo “de civilidade, fraternidade e igualdade entre as nações”, conforme informavam artigos da época. Por outro lado, convém aqui lembrar o cenário cultural daquele momento, determinando expectativas em torno do conceito do novo, do moderno. A palavra se encontrava impregnada no imaginário da sociedade brasileira em contraposição a tudo que remetesse ao que era antigo, ou seja, em um passado recente. No momento que as autoridades diplomáticas decidem-se pela construção do espaço, podem-se verificar mudanças de hábitos e comportamentos nas comunidades: da emergência do automóvel em substituição às antigas volantas, o calçamento das ruas centrais em troca “das antigas ruas empoeiradas,” a abertura de novas e largas avenidas, as lojas amplas e envidraçadas, enfim ocorre uma mudança de costumes. No cenário brasileiro, portanto, o conceito de que o novo substitui o antigo, originou-se nos primeiros anos da república brasileira através de ações dos governantes militares positivistas impregnados com a filosofia de Augusto Conte. Ocorre um remodelamento nos centros urbanos, apagando os vestígios da feição colonial nas cidades. Na fronteira, a partir dos anos 40 aparecem discursos que se constituem entre conflitos e diferenças culturais que reservam ao novo espaço o símbolo da paz.
Em minha visão, o imaginário da comunidade fronteiriça é impregnado por um discurso unificador das nacionalidades que se constituem entre conflitos e diferenças culturais estabelecidos pelos interesses dos governantes e imprensa local.
Na fronteira, observa-se o empenho dos governos municipais em promover uma campanha de revitalização dessa região comum às duas cidades. As primeiras décadas do século XX haviam sido de crise econômica e social na região. É dada a largada para algumas políticas direcionadas ao desenvolvimento do setor turístico local. Observamos algumas leis riverenses instituídas na década de 1930:
Ley de creación de "ciudad de Turismo": 22 de diciembre de 1936.
1938: primera excursión "fonoeléctrica". Eran trenes donde se escuchaba música durante el viaje, toda una novedad.
Enenero de 1941 se formo La Comisión de Fiestas y Turismo. Enenero de 1942 se inaugura el Club Uruguay. En agosto de 1942 el Casino.
Enfebrero de 1943, inauguração do Parque Internacional e a revitalização do comércio do Largo Internacional.
Em Santana do Livramento, surgem várias salas de cinema, após a Segunda Guerra os passeios tradicionais da população abandonam a Praça Gal. Osório e procuram as ruas amplas da vizinha Rivera, A calle Sarandi com seu aspecto largo, arrojado, cativa os jovens aos passeios dominicais a peatonal e seus cafés, cinemas, lojas e novas lanchonetes.
Nelson Moreira observa em seu livro sobre a construção do passeio que a vida urbana fronteiriça nos anos 40 em nada se assemelhava com a realidade dos anos 20 quando foi proposta a construção. Embora o projeto do arquiteto Paes Seré fosse o mesmo aprovado em 1938, com “leves modificações’, as cidades haviam se modificado, se urbanizado:
“A população flutuante se destacava na paisagem fronteiriça, a frequência de aeronaves e empresas interdepartamentais de ônibus”, excursões fonoelétricas faziam crer que “havia uma fronteira pujante, em que já sobrava e molestava o Areal.”
Em meados de 1941, finalmente, após anos de debates, reuniões diplomáticas e sete ou oito projetos oficiais, emerge dos gabinetes a concepção arquitetônica que temos atualmente. Infelizmente neste mesmo ano, faleceu o arquiteto mentor da Praça Internacional. Contudo, em abril de 1942, após a assinatura da ata de inauguração dos trabalhos pelos representantes oficiais dos presidentes da república uruguaio e brasileiro, iniciaram as obras de construção do espaço. A remodelação acontecia também no entorno da nova praça. Nas ruas centrais de Rivera, o reboliço estava na concretagem das ruas centrais, no corte dos nostálgicos plátanos, tão estimados e cantados por Olyntho Maria Simões e Agustin Bisio. “Desaparecia assim uma rua aldeã e em seu lugar se abria uma rua ampla e concretada, com veredas novas e amplas. Em um ano se apagou uma época, ainda que a novela postergasse a nostalgia por bastante tempo” relatou Nelson Moreira. Havia consternação com os cortes dos plátanos e o Areial, contudo as obras seguiram seu destino.
E na manhã de sexta-feira pré-carnavalesca, para celebração inesquecível na história das cidades, inaugura-se a tão esperada Praça Internacional. Após vinte anos de negociações e trâmites diplomáticos, uma multidão estava presente para assistir o final dessa partida. As bandeiras de todos os países americanos dançavam enfileiradas ao vento. O desfile de tropas e de bandas militares, estudantes e instituições dos dois países foi registrado por jornalistas de diversos lugares. As ausências dos presidentes uruguaio, General. Arq. Alfredo Baldomir e brasileiro, Getúlio Dornelles Vargas foi sentida e registrada nos diários e na memória da população fronteiriça. Embora enviassem representantes oficiais, do lado oriental, Ministro do Interior Hector Genoma, e brasileiro, Ministro do Trabalho, Comércio, Justiça e Interior, Dr. Alexandre Marcondes Filho. Com convidados oficiais, a viúva do arquiteto criador do projeto Sra. Páez Seré presente além uma multidão de populares, muitos viajaram de cidades vizinhas, estava inaugurada oficialmente a Praça Internacional.
A construção de uma praça central, na divisa das duas cidades delimitando imaginariamente duas nações foi sem dúvida, um elemento significativo dessa política. Nesse sentido, podemos estimar que os governos buscassem a construção de um símbolo, um marco, uma identidade que diferenciasse essa fronteira daquele cotidiano tumultuado da Segunda Guerra Mundial instalada no continente europeu. Como sugeriu um escritor peruano, em passagem pela fronteira, “justamente quando o mundo agitava-se diante desse conflito, a região apresentava-se como um exemplar da "civilidade" latino americano”.
Entretanto é importante relembrar a importância do antigo Areial para as novas gerações. O espaço esteve presente ao longo dos anos no cotidiano da comunidade fronteiriça, que privilegiou o local como espaço genuíno do lazer. Do ancestral descampado, chamado Areial, aos anos recentes da moderna Praça Internacional, esse espaço afirmou-se como um local político, cultural e econômico para as cidades. Situado na linha de fronteira o Parque vai se mostrar também um espaço de negociação, abrigando exilados e fugitivos nas recentes ditaduras que abalaram Brasil e Uruguai.
Retrocedendo algumas décadas, encontraremos outro espaço em um mesmo espaço. As cidades viviam uma crise social e econômica, o Areial com frequência era referência de esporte e lazer das comunidades. Na paisagem desse descampado “Areial da linha”, ou “tierra de nadie”, lugar baldio, irregular e de matagais, improvisavam-se atrações culturais como espetáculos de circos, cinema mudo, cavalhadas, canchas de tênis, futebol e hockey. Havia ainda os chopes ruivos da cervejaria Gazapina, vendidos nos Kiosques El Ribot e Biquita localizados na parte alta do Areial, na Avenida das Palmeiras (atual Largo Dr. Hugulino Andrade), que ajudava a distrair a plateia.
O Areial das décadas de 20 e 30 contrastava com seu vizinho, o Cine Theatro Cabaret Internacional, um esplendoroso prédio, império da boemia, onde a roleta e o pano verde serviam de pretexto para espetáculos luxuosos. Atrações internacionais e muito champanhe, espetáculos artísticos e serviço de restaurante sofisticado. O luxo do Cabaré- Cassino impunha-se em contraste com a escuridão daquele descampado Areial, que abrigava atrações circenses e ciganas para a maioria da população. Em muitas ocasiões o local também foi palco de violência e mortes, ajuste de contas entre capangas e contrabandistas. Segundo noticiou um jornal santanense, O Republicano, era "lugar perigoso, esconderijo para bandidos". Portanto, longe de constituir-se no atual espaço privilegiado do Parque, o Areial era considerado um espaço público livre de qualquer valor moral ou mitificador. Em seus bons dias o lugar tornou-se referência da diversão à comunidade. O memorialista Cirino, reconstituiu seu espaço:
“A linha era uma zona de chácaras e potreiros, era mais uma estrada barrenta, em dias de chuva do que propriamente uma rua para o pedestre transitar, o transito era a pé, em carros ou carroças de tração animal; na cidade havia uns quatro automóveis de particulares [...] revolucionários emigrados, entre os oficiais Siqueira Campos, Cordeiro Campos, entre outros, estabeleceram-se como comerciantes em Rivera, e alguns outros, menos afortunados, acamparam nas imediações do Cerro do Marco”.
Assim como numa colcha de retalhos, os moradores dessa fronteira buscam rememorar sua juventude através dos lugares que visitaram, das cenas pitorescas que viveram e que preenchem o universo de suas recordações. O passado é vivenciado como outra época, perseguido constantemente nas lembranças de outra cidade e seus espaços perdidos na memória. Memória que também é um espaço pantanoso e construído conforme nossas lembranças, erguido em experiências pessoais onde muitas vezes certas vivencia são relevadas em função de outras, essa é a construção da memória.
O barbeiro Humberto Bisso, que viveu intensamente esses dois espaços temporais, o do Areial e do Parque Internacional sabiamente, costumava lembrar, que os dois tinham muito em comum, pois se foram locais de disputa e violência, também ofereceram muita diversão, para a população: “tu sabe, essa praça nova que está ai, veio muito tempo depois do antigo Areial”. Divertia-se com os colegas ao ver a passagem das moças que iam trabalhar no Cassino Internacional,” todas elegantes de salto alto e caminhando e tropeçando no arenal”. Pois não foi nela que ele viu “caírem mortos operários comunistas do Armour em uma noite fria de primavera? Assim como em 1956, emocionado viu passar na mesma vereda da praça, a comitiva de boas-vindas ao Presidente JK Juscelino Kubitscheck, quando visitou a cidade em seu centenário.
O Parque Praça Internacional é um espaço sentimental, cada um tem um parque dentro de sua memória, que ao longo do tempo foi metamorfoseando-se em diversos espaços da memória e sentimentos.
Se nos anos 1930, o Areal foi espaço dos desmandos caudilhescos e de pistoleiros, trazendo notícias diárias nos jornais que lembravam aos fronteiriços que aquele era um espaço dominado pela violência, a população também recorria a ele quando queria diversão seja pela chegada de circos, as sessões no cinema mudo do gordo Ducos, quando havia partida de futebol ou cavalhadas, afinal ali também encontrava-se o lazer, comum as duas cidades.
Após a inauguração do novo espaço internacional, entre meados dos anos 1940 e 1950, a Praça moderna e ampla seduzirá outras gerações de famílias, que disfrutam o lazer moderno, com seu entorno repleto de lanchonetes e restaurantes. Espaço para caminhadas, piqueniques, esporte, fotografias e namoros. Espaço dos lambe-lambes que desde então, eternizaram nos retratos sua população e a de turistas. Os passeios depois das sessões do cinema e matinés dominicais. Mas também foi em suas calçadas, no novíssimo Largo Internacional que ocorreu a chacina dos militantes comunistas mortos, quatro homens que, nas palavras da poeta Lila Ripol, “ousaram sonhar com um mundo mais justo”!
Nos domingos havia o encontro semanal dos imigrantes árabes libaneses e palestinos aos pés do Obelisco, que ali conversavam na língua mãe, fechavam negócios e tomavam chimarrão, apropriando-se de novos costumes,
Na década de 60 e 70, o lugar se estabelecerá como um Parque-espaço da solidariedade e do exílio, lugar de passagem de perseguidos das ditaduras brasileira e após, uruguaia. Em seus arbustos ocultaram-se documentos e armas dos guerrilheiros. Por suas alamedas passearam jovens idealistas vindos de outras regiões do país. Entretanto, a praça ainda é espaço de lazer, namoros, fotografias, esportes, de encontros de presidentes militares que exibem sua diplomacia e divulgam convenientemente a irmandade inscrita no marco do obelisco.
Os anos 80 lembrarão de que o Parque ainda é espaço lúdico de diversão, de lambe-lambes, da sociabilidade adolescente, dos encontros fortuitos, de amantes, de prostituição. Contudo liga seu alerta vermelho denunciando o início de sua descaraterização, com a chegada de trailers gastronômicos e bancas de artesanato, aos poucos a economia informal vai se aproximando até se estabelecer sem a devida fiscalização. A limpeza, os cuidados de jardinagem e manutenção que desde sua inauguração foram dados às administrações municipais iniciam seu lento processo de deterioração.
Estaria a Praça moderna retornando a ser aquele local esquecido lá no passado, uma "terra de ninguém?"
Entramos nos anos 90, e nosso símbolo da irmandade, imóvel, não reconhece o esplendor de poucas décadas passadas. O espaço será da prostituição, de shows musicais e espaço de manifestações políticas, dos parques de diversões.
A partir dos anos 2000, a praça agoniza, pede socorro, o espaço é do abandono. Porém ainda é apreciado para o desenvolvimento da cidadania com as manifestações políticas, da diversidade, eventos culturais como a Feira do Livro Binacional. Também abrigam festivais de ovino e vinho, cultos religiosos, festivais nativistas e recentemente, gastronômicos. Ainda temos uma área concebida originalmente para descanso e lazer.
2001 – Crianças tomando conhecimento de que ali se encontrava a fronteira entre dois países, duas cidades: Santana do Livramento (BR) e Rivera (UY)
Antes da criação do Parque, foram mais de vinte anos gerando um espaço monumento, que iria perpetuar ao mundo os valores da irmandade, igualdade e fraternidade, um espaço genuíno de lazer e descanso.
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