Igreja dos Remédios e o Roubo dos Quintos Reais, São Paulo, Brasil
São Paulo - SP
Fotografia - 1887
Segundo a maioria dos historiadores a igreja dos Remédios que
existia na Praça João Mendes originou-se da capela de São Vicente Ferreira que
foi erguida por um personagem curioso na história do Brasil, protagonista de um
episódio um tanto esquecido, o roubo dos quintos reais
Estamos falando de Sebastião Fernandes do Rego, aventureiro
português que aportou ao Brasil com um único objetivo, ficar rico, seja lá como
fosse. Rico sem dúvida ficou, porém à custa de uma vida plena de crimes,
manipulações e trapaças.
Seu primeiro grande golpe foi sobre os irmãos Leme, outros
aventureiros que também não tinham nada de santos. Sebastião Fernandes do Rego
simplesmente ganhou a confiança dos irmãos, apropriou-se de todo o ouro que
haviam garimpado e ainda com suas tramoias provocou a condenação à morte de
suas vítimas e o sequestro de seus bens. Não havia muito a sequestrar, uma vez
que Sebastião havia furtado todo o ouro. Quando o golpe foi descoberto, mais
uma vez, Sebastião se safa com suas tramoias e consegue sair ileso sem devolver
um tostão.
Graças à sua lábia tornou-se confidente do então capitão-general
da capitania, Rodrigo César de Menezes, e chegou a ocupar o cargo de
Provedor-Mor, responsável, entre outras coisas pela arrecadação dos quintos
sobre o ouro e emissão do correspondente recibo pelo ouro já quintado, ou seja,
com o imposto pago.
Era a raposa tomando conta do galinheiro. Ouviam-se histórias
de arrepiar. Garimpeiros que pagavam os quintos e ficavam sem recibo tendo de
pagar duas vezes, outros que eram forçados a vender o ouro por preços
aviltados, e por aí vai. Essa lambança toda fazia o Provedor-Mor da Fazenda
Real lá em Itu.
A esta altura o amigo leitor deve estar se perguntando de onde
vinha tanto ouro. Portanto vamos esclarecer que na época em questão a Capitania
de São Paulo e Minas de Ouro, que era seu nome completo, abrangia um
território que compreende aproximadamente aos atuais estados de São Paulo, Mato
Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Tocantins, Minas Gerais, Paraná, Santa
Catarina e Rondônia.
Para coibir a roubalheira, a coroa portuguesa resolve reativar
a Casa de Fundição de São Paulo dentro do Palácio do Governo e determina que os
quintos sejam cobrados somente no Palácio. Determina ainda mais, que as barras
de ouro já quintadas sejam marcadas com o selo real na presença do Provedor, do
Escrivão e do Tesoureiro, ficando proibida a circulação de ouro em pó.
Lá vem o trambiqueiro para São Paulo e aproveita-se da ausência
do capitão-general que andava pelos lados de Cuiabá para lambuzar-se em mais
gatunices.
Desta feita os garimpeiros não reclamaram por entregar o ouro
para ser marcado pelo Provedor-Mor, ao contrário, preferiam entregá-lo, às
ocultas, na casa de Sebastião do Rego a fazê-lo na Casa de Fundição. Sebastião
quintava o ouro por sua própria conta e ainda entregava as barras marcadas com
o sinete real pela metade do preço que cobrava a Casa da Fundição.
Chegou-se a aventar que Sebastião tinha, de alguma forma,
conseguido cunhos falsos com o sinete. Porém a verdade é que Sebastião tinha
chaves falsas do cofre da Casa da Fundição e furtava os cunhos originais sempre
que precisava cobrar seus quintos particulares e marcar as barras.
Em 1727 chegava a São Paulo um novo governador, Antônio da
Silva Caldeira Pimentel. O Trambiqueiro-Mor deve ter passado alguns dias na
expectativa, matutando como enganar mais um. Porém suas preocupações logo
passaram, pois o novo governante logo revelou-se farinha do mesmo saco. Também
tinha vindo ao Brasil com o único objetivo de enricar a qualquer custo.
Foi assim que tramaram uma gatunice que ficou famosa. Logo na
primeira remessa dos quintos reais, substituíram a carga de ouro por chumbo. É
possível imaginar a vergonha do rei D. João V lá em Lisboa, quando manda abrir
os caixões, na presença de seus ilustres convidados e dá de cara com todo
aquele chumbo cinzento em vez das esperadas barras douradas.
Demorou um pouco, mas Sebastião do Rego acabou preso e levado à
prisão do Limoeiro em Lisboa. Mas gastou uma pequena parte da fortuna que já
tinha acumulado distribuindo favores e propinas e logo retorna livre e feliz ao
Brasil. Foi na época de sua prisão que mandou construir a capela que
futuramente seria a Igreja dos Remédios. Dizem que foi promessa.
O gatuno teve a prisão decretada novamente, mas não chegou a ir
para a cadeia porque acabou morrendo de causas naturais antes.
A história deste personagem foi narrada de forma romanceada por
Paulo Setúbal na obra Os Irmãos Leme.
A história do gatuno Sebastião do Rego é verdadeira e bem
documentada. Já o pesquisador Nuto Sant’Anna, em artigo publicado na revista do
Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional de 1937, refuta a tese de
que a capela tenha dado origem à igreja dos Remédios. Mas este assunto vamos
deixar para os historiadores resolverem.

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