Fachada atual (2022).
Interior do edifício.
Edifício-sede em construção, circa 1945.
Diretores do Círculo de Estudos Bandeirantes.
Imagem do edifício.
Brasão do Círculo de Estudos Bandeirantes.
Curitiba - PR
Fotografia
O Círculo de Estudos Bandeirantes é uma instituição cultural de Curitiba fundada em 1929. Desde 1945, está localizada nesta sede da Rua XV de Novembro, em um prédio construído pelo italiano João de Mio, também responsável por outros edifícios de Curitiba, como a Igreja de São Pedro, no Umbará, e a Capela Santa Maria.
Ao longo de sua história, seus fundadores e sócios, todos intelectuais, promoveram cursos, debates e até a publicação de um periódico, a Revista do Círculo de Estudos Bandeirantes. O CEB, como é chamado, também foi preponderante para a gênese da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade Federal do Paraná, e para a criação da própria Pontifícia Universidade Católica do Paraná, a PUCPR. Da década de 1950 em diante, as atividades do CEB enfraqueceram; a solução encontrada foi torná-lo um órgão cultural da PUCPR, que desde 1987 mantém o CEB e o seu imenso acervo documental e bibliográfico, além de organizar eventos culturais na histórica sede da XV.
A integração do Círculo à PUCPR, como entidade cultural agregada, redirecionou o Estatuto, abrindo as portas para além dos associados, devolvendo-o à comunidade acadêmica. As reformas arquitetônicas, construção do auditório e revitalização da biblioteca reativaram o CEB para as atividades culturais paranaenses.
Contexto de criação do CEB:
Na década de 1910, época de criação da CEB, acontecia em Curitiba um fenômeno até estranho para os padrões dessa cidade conservadora: difundia-se, entre a classe intelectual mas também entre setores da classe trabalhadora, ideias anticlericais, isto é, de crítica à atuação e poder da Igreja Católica; ideias liberais e maçônicas, ancoradas no iluminismo francês; e até mesmo ideias anarquistas e bolcheviques, uma vez demonstrada a então popularidade e influência da União Soviética após a Revolução Russa.
Foi então que um grupo de intelectuais católicos e conservadores decidiu criar um instituto cultural para, de acordo com a historiadora Solei Fressato, frear o avanço das ideias laicas, anticlericais e socialistas em Curitiba. Esse grupo era formado por Antonio Rodrigues de Paula, Benedito Nicolau dos Santos, Bento Munhoz da Rocha Netto (futuro governador do Paraná), Carlos Augusto de Brito Pereira, José Farani Mansur Guérios, Padre Luis Gonzaga Miele, José Loureiro Fernandes, José de Sá Nunes, Pedro Ribeiro Macedo da Costa, Liguarú Espírito Santo, Frederico Costa Allende e Valdomiro Augusto Teixeira de Freitas. Os últimos três nomes viriam a ser membros da Ação Integralista Brasileira, movimento fascista tupiniquim, ultraconservador e autoritário, que tinha inspirações nazistas.
A relação de parte da intelectualidade curitibana com o movimento integralista foi muito estreita. Isso fica mais claro em um discurso proferido por Liguarú, noticiado pelo jornal integralista A Razão:
Liguarú fez inicialmente a defesa e a exposição da doutrina integralista: apresentou os motivos porque o catholico não pode e nem deve ficar indifferente diante do movimento do Sigma que vem auxiliar grandemente a Igreja, no combate das doutrinas subversivas que se apresentam com summa gravidade, citando em abono de sua these, a autoridade do Papa (A Razão, n. 10, 05/07/1935, p. 3).
A escolha do nome “Círculo de Estudos Bandeirantes” diz muito sobre o objetivo e a ideologia desses intelectuais. Fressato explica a origem do nome:
Os verde-amarelos transformaram a figura do bandeirante paulista em verdadeiro herói nacional, corajoso, desbravador e formador do território do país. Em concordância com essas idéias, esses pensadores católicos nomearam a sua instituição de Círculo de Estudos ‘Bandeirantes’ e se autodenominaram ‘bandeirantes’, introjetando a heroicidade dos paulistas. Desse modo, a fundação da instituição também foi considerada uma corajosa ‘bandeira’, no meio anticlerical da cidade de Curitiba.
Não deixa de ser interessante notar que a palavra “bandeirante” era comum entre os integralistas do Paraná. Em trecho do jornal O Integralista, publicado no Paraná na década de 1930 e citado pelo historiador Rafael Athaides em sua tese de doutorado, observa-se essa semelhança de discurso:
Paranaenses! Attentae bem: os integralistas são os bandeirantes despertos, com o mesmo sentido heroico, que estiveram no Ivahy, no Pequery, em Guayra, vos integraram no Brasil (O Integralista, nº 1, 16/08/1934, p. 1).
Anos iniciais do CEB:
O grupo que formou o CEB começou a organizar cursos, debates, publicação do periódico Revista do Círculo de Estudos Bandeirantes, e também a ministrar aulas em escolas de Curitiba, como o Gymnasium Paranaense (atual CEP), para que suas ideias se popularizassem. Como princípio filosófico, o grupo defendia o neotomismo (relativo a São Tomás de Aquino), pensamento que se caracterizava, sobretudo, pela tentativa de conciliar o aristotelismo, ou seja, a razão, com o cristianismo, a fé.
Inicialmente, o CEB se reunia na casa de José Loureiro Fernandes, que ficava na Rua José Loureiro, nº 20. O local era chamado pelos seus membros de "catacumbas", nome alusivo à dificuldade cristã em prosperar. Entre 1938 e 1945 mudou várias vezes de sede, sempre alugada, até estabelecer-se definitivamente à Rua XV de Novembro n.1050. A construção de sua nova sede, inaugurada em 12 de setembro de 1945, se deve, sobretudo, à contribuição dos sócios, de instituições católicas e de empresas públicas e privadas: Leão Júnior & Cia. Ltda, Mueller Irmãos Ltda, Emilio Romani & Cia, José Lupion & Cia, Banco do Brasil, S.A Hermes Macedo & Cia e Banco do Estado do Paraná.
João de Mio:
A construtora escolhida para a construção da nova sede foi a de João de Mio, imigrante italiano nascido no Vêneto, que também foi responsável pelas obras da Igreja de São Pedro, no Umbará, do interior da Igreja do Mercês, Igreja do Barigui, do Palácio Garibaldi, do Colégio Champagnat, da Capela Santa Maria, dentre outras. Foi construtor em obras de Ernesto Guaita, Eduardo Fernando Chaves e Benjamim Mourão, este que fez o projeto da sede do CEB. De Mio projetou a fachada do CEB, promoveu radicais alterações no projeto anterior e construiu o edifício. Em vida, foi homenageado como sócio-honorário do CEB, recusou a naturalização em troca do título de engenheiro Honoris Causa, recebeu o título de Cidadão Honorário de Curitiba e ficou conhecido como “o construtor de igrejas”. Era amante da natureza e ferrenho crítico do desmatamento. Faleceu em 1971, aos 92 anos de idade, e desde então tem sido homenageado dentro e fora do CEB. Em 2016, ele foi homenageado por meio da exposição “João de Mio: um poeta cosntrutor", inaugurada no aniversário de 87 anos do CEB.
O edifício do CEB segue o padrão das demais obras de João de Mio, que prezava pelo estilo neoclássico: colunas e arcos e demais detalhes de ornamentação romanos dispostos em vários pavimentos, sendo amplas a fachada, a entrada (com degraus) e as janelas — Mio era profundo conhecedor da cultura romana. Atualmente, por conta de sua história e de sua arquitetura, a sede do CEB é uma UIP (Unidade de interesse e preservação).
Ações do CEB:
Ao longo dos anos, imensas foram as contribuições do CEB para o desenvolvimento da ciência no Paraná. Várias de suas iniciativas e atividades acadêmicas foram preponderantes, inclusive, para a formação de universidades. No Círculo foi ministrado um curso de quatro anos de filosofia pelo Pe. Jesus Bailarín. Quando da federalização da Universidade Federal do Paraná, havia a necessidade de um curso de filosofia, e foi justamente o curso do CEB o escolhido para tal — tornando-se, assim, a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Paraná, em curso desde 1946.
Pouco tempo depois, quando os os Irmãos Maristas fundaram a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Curitiba (atual Pontifícia Universidade Católica do Paraná, criada em 1959), novamente o CEB aparece como colaborador. Nos primeiros anos da PUCPR, o CEB chegou a funcionar como reitoria da instituição.
Boa parte dos professores dessas instituições, naquele período, era formada no CEB.
Legado e recuperação do CEB:
Nas décadas de 1960 e 70, o Círculo e outras instituições culturais independentes enfraqueceram em decorrência do fortalecimento das universidades e, por outro lado, da crise econômica que se alastrava pelo país. Para a manutenção e preservação do imenso acervo do CEB, em 1987 se decidiu pela incorporação dele à PUCPR, que desde então o administra. Conforme Fressato, “Nessa nova fase é resgatado um de seus objetivos iniciais: a contribuição para o crescimento intelectual e cultural do estado, incentivando a realização de conferências e palestras em sua sede, sendo divulgadas na revista da instituição, que volta a ser publicada”.
A Revista do Círculo de Estudos Bandeirantes foi publicada até 2013. O seu acervo, entretanto, continua aberto para pesquisas acadêmicas. Após restauros internos e externos, incluindo da biblioteca, o CEB reabriu as portas para atividades culturais, de forma a preservar não só o patrimônio da instituição, mas o seu fundamental legado científico e cultural.
Ao longo de sua história, seus fundadores e sócios, todos intelectuais, promoveram cursos, debates e até a publicação de um periódico, a Revista do Círculo de Estudos Bandeirantes. O CEB, como é chamado, também foi preponderante para a gênese da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade Federal do Paraná, e para a criação da própria Pontifícia Universidade Católica do Paraná, a PUCPR. Da década de 1950 em diante, as atividades do CEB enfraqueceram; a solução encontrada foi torná-lo um órgão cultural da PUCPR, que desde 1987 mantém o CEB e o seu imenso acervo documental e bibliográfico, além de organizar eventos culturais na histórica sede da XV.
A integração do Círculo à PUCPR, como entidade cultural agregada, redirecionou o Estatuto, abrindo as portas para além dos associados, devolvendo-o à comunidade acadêmica. As reformas arquitetônicas, construção do auditório e revitalização da biblioteca reativaram o CEB para as atividades culturais paranaenses.
Contexto de criação do CEB:
Na década de 1910, época de criação da CEB, acontecia em Curitiba um fenômeno até estranho para os padrões dessa cidade conservadora: difundia-se, entre a classe intelectual mas também entre setores da classe trabalhadora, ideias anticlericais, isto é, de crítica à atuação e poder da Igreja Católica; ideias liberais e maçônicas, ancoradas no iluminismo francês; e até mesmo ideias anarquistas e bolcheviques, uma vez demonstrada a então popularidade e influência da União Soviética após a Revolução Russa.
Foi então que um grupo de intelectuais católicos e conservadores decidiu criar um instituto cultural para, de acordo com a historiadora Solei Fressato, frear o avanço das ideias laicas, anticlericais e socialistas em Curitiba. Esse grupo era formado por Antonio Rodrigues de Paula, Benedito Nicolau dos Santos, Bento Munhoz da Rocha Netto (futuro governador do Paraná), Carlos Augusto de Brito Pereira, José Farani Mansur Guérios, Padre Luis Gonzaga Miele, José Loureiro Fernandes, José de Sá Nunes, Pedro Ribeiro Macedo da Costa, Liguarú Espírito Santo, Frederico Costa Allende e Valdomiro Augusto Teixeira de Freitas. Os últimos três nomes viriam a ser membros da Ação Integralista Brasileira, movimento fascista tupiniquim, ultraconservador e autoritário, que tinha inspirações nazistas.
A relação de parte da intelectualidade curitibana com o movimento integralista foi muito estreita. Isso fica mais claro em um discurso proferido por Liguarú, noticiado pelo jornal integralista A Razão:
Liguarú fez inicialmente a defesa e a exposição da doutrina integralista: apresentou os motivos porque o catholico não pode e nem deve ficar indifferente diante do movimento do Sigma que vem auxiliar grandemente a Igreja, no combate das doutrinas subversivas que se apresentam com summa gravidade, citando em abono de sua these, a autoridade do Papa (A Razão, n. 10, 05/07/1935, p. 3).
A escolha do nome “Círculo de Estudos Bandeirantes” diz muito sobre o objetivo e a ideologia desses intelectuais. Fressato explica a origem do nome:
Os verde-amarelos transformaram a figura do bandeirante paulista em verdadeiro herói nacional, corajoso, desbravador e formador do território do país. Em concordância com essas idéias, esses pensadores católicos nomearam a sua instituição de Círculo de Estudos ‘Bandeirantes’ e se autodenominaram ‘bandeirantes’, introjetando a heroicidade dos paulistas. Desse modo, a fundação da instituição também foi considerada uma corajosa ‘bandeira’, no meio anticlerical da cidade de Curitiba.
Não deixa de ser interessante notar que a palavra “bandeirante” era comum entre os integralistas do Paraná. Em trecho do jornal O Integralista, publicado no Paraná na década de 1930 e citado pelo historiador Rafael Athaides em sua tese de doutorado, observa-se essa semelhança de discurso:
Paranaenses! Attentae bem: os integralistas são os bandeirantes despertos, com o mesmo sentido heroico, que estiveram no Ivahy, no Pequery, em Guayra, vos integraram no Brasil (O Integralista, nº 1, 16/08/1934, p. 1).
Anos iniciais do CEB:
O grupo que formou o CEB começou a organizar cursos, debates, publicação do periódico Revista do Círculo de Estudos Bandeirantes, e também a ministrar aulas em escolas de Curitiba, como o Gymnasium Paranaense (atual CEP), para que suas ideias se popularizassem. Como princípio filosófico, o grupo defendia o neotomismo (relativo a São Tomás de Aquino), pensamento que se caracterizava, sobretudo, pela tentativa de conciliar o aristotelismo, ou seja, a razão, com o cristianismo, a fé.
Inicialmente, o CEB se reunia na casa de José Loureiro Fernandes, que ficava na Rua José Loureiro, nº 20. O local era chamado pelos seus membros de "catacumbas", nome alusivo à dificuldade cristã em prosperar. Entre 1938 e 1945 mudou várias vezes de sede, sempre alugada, até estabelecer-se definitivamente à Rua XV de Novembro n.1050. A construção de sua nova sede, inaugurada em 12 de setembro de 1945, se deve, sobretudo, à contribuição dos sócios, de instituições católicas e de empresas públicas e privadas: Leão Júnior & Cia. Ltda, Mueller Irmãos Ltda, Emilio Romani & Cia, José Lupion & Cia, Banco do Brasil, S.A Hermes Macedo & Cia e Banco do Estado do Paraná.
João de Mio:
A construtora escolhida para a construção da nova sede foi a de João de Mio, imigrante italiano nascido no Vêneto, que também foi responsável pelas obras da Igreja de São Pedro, no Umbará, do interior da Igreja do Mercês, Igreja do Barigui, do Palácio Garibaldi, do Colégio Champagnat, da Capela Santa Maria, dentre outras. Foi construtor em obras de Ernesto Guaita, Eduardo Fernando Chaves e Benjamim Mourão, este que fez o projeto da sede do CEB. De Mio projetou a fachada do CEB, promoveu radicais alterações no projeto anterior e construiu o edifício. Em vida, foi homenageado como sócio-honorário do CEB, recusou a naturalização em troca do título de engenheiro Honoris Causa, recebeu o título de Cidadão Honorário de Curitiba e ficou conhecido como “o construtor de igrejas”. Era amante da natureza e ferrenho crítico do desmatamento. Faleceu em 1971, aos 92 anos de idade, e desde então tem sido homenageado dentro e fora do CEB. Em 2016, ele foi homenageado por meio da exposição “João de Mio: um poeta cosntrutor", inaugurada no aniversário de 87 anos do CEB.
O edifício do CEB segue o padrão das demais obras de João de Mio, que prezava pelo estilo neoclássico: colunas e arcos e demais detalhes de ornamentação romanos dispostos em vários pavimentos, sendo amplas a fachada, a entrada (com degraus) e as janelas — Mio era profundo conhecedor da cultura romana. Atualmente, por conta de sua história e de sua arquitetura, a sede do CEB é uma UIP (Unidade de interesse e preservação).
Ações do CEB:
Ao longo dos anos, imensas foram as contribuições do CEB para o desenvolvimento da ciência no Paraná. Várias de suas iniciativas e atividades acadêmicas foram preponderantes, inclusive, para a formação de universidades. No Círculo foi ministrado um curso de quatro anos de filosofia pelo Pe. Jesus Bailarín. Quando da federalização da Universidade Federal do Paraná, havia a necessidade de um curso de filosofia, e foi justamente o curso do CEB o escolhido para tal — tornando-se, assim, a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Paraná, em curso desde 1946.
Pouco tempo depois, quando os os Irmãos Maristas fundaram a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Curitiba (atual Pontifícia Universidade Católica do Paraná, criada em 1959), novamente o CEB aparece como colaborador. Nos primeiros anos da PUCPR, o CEB chegou a funcionar como reitoria da instituição.
Boa parte dos professores dessas instituições, naquele período, era formada no CEB.
Legado e recuperação do CEB:
Nas décadas de 1960 e 70, o Círculo e outras instituições culturais independentes enfraqueceram em decorrência do fortalecimento das universidades e, por outro lado, da crise econômica que se alastrava pelo país. Para a manutenção e preservação do imenso acervo do CEB, em 1987 se decidiu pela incorporação dele à PUCPR, que desde então o administra. Conforme Fressato, “Nessa nova fase é resgatado um de seus objetivos iniciais: a contribuição para o crescimento intelectual e cultural do estado, incentivando a realização de conferências e palestras em sua sede, sendo divulgadas na revista da instituição, que volta a ser publicada”.
A Revista do Círculo de Estudos Bandeirantes foi publicada até 2013. O seu acervo, entretanto, continua aberto para pesquisas acadêmicas. Após restauros internos e externos, incluindo da biblioteca, o CEB reabriu as portas para atividades culturais, de forma a preservar não só o patrimônio da instituição, mas o seu fundamental legado científico e cultural.
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