Ray Kroc e a História de Traição por Trás do McDonald’s - Artigo
Artigo
Dois irmãos, uma barraca de fast food e um sonho. Richard e Maurice McDonald revolucionaram a pequena cidade de Arcadia (Califórnia) quando abriram uma lanchonete que vendia hambúrgueres por 10 centavos cada, servidos de minuto a minuto, embrulhados em papel e sem necessidade de garçons: o cliente fazia o pedido diretamente ao cozinheiro. Três anos depois, em 1940, os irmãos McDonald transformaram a barraca de comida rápida em um restaurante com cimento, ladeado por um M amarelo de 7,5 metros de altura que não podia ser visto do espaço, mas com certeza a partir de qualquer ponto da cidade.
Atualmente existem cerca de 40.000 unidades do McDonald’s que alimentam 68 milhões de pessoas todos os dias em 118 países. Em 1999, a revista Time homenageou as 100 pessoas mais importantes do século. Albert Einstein, Mahatma Ghandi, Bart Simpson e, claro, o fundador do McDonald’s: Ray Kroc. Um momento, quem é Ray Kroc? Não estávamos falando sobre os irmãos McDonald? Esta história de traição retratada no filme "Fome de Poder" (The Founder), dirigido por John Lee Hancock.
Ray Kroc é um self-made man (alguém que conseguiu o sucesso sozinho), mas com “pedaços” de outros. O sonho americano embrulhado para levar e servido em tempo recorde. Kroc vendia máquinas de milk-shake (sem muito sucesso), quando os irmãos McDonald fizeram uma encomenda de seis liquidificadores. Kroc sentiu que havia ganhado na loteria, mas não tinha ideia do valor. Logo viu o potencial do inovador sistema de comida vertiginosa do restaurante McDonald’s: o custo era minúsculo, e os clientes, infinitos.
Por isso, se ofereceu para trabalhar como representante comercial da marca. Em 1955, começou a vender licenças. Em 1961, Kroc ambicionava a expansão nacional. Os irmãos McDonald não tinham essa ambição (o sonho deles era chegar a um milhão de dólares antes dos 50 anos), de modo que lhe venderam a empresa por 2,7 milhões de dólares (8,6 milhões de reais) e 0,5% de participação nos lucros. Kroc pechinchou até o último dólar, e posteriormente os definiu em um livro como “obtusos, abertamente indiferentes ao fato de que eu estava gastando cada centavo que tinha em seu projeto”.
Segundo Kroc, os irmãos McDonald exigiram esses 2,7 milhões de dólares em dinheiro para boicotar seus planos de expansão, um “truque podre” que, no entanto, Richard e Maurice justificaram por ter passado 30 anos trabalhando sete dias por semana. “Muito comovedor”, escreveu Kroc, “mas, por alguma razão, não fui capaz de derramar lágrimas de pena”. Relutantemente, Kroc concordou em comprar a empresa pelos 2,7 milhões, enquanto, sem dúvida, já planejava sua vingança. Cinquenta e seis anos depois, o McDonald’s vale 17 bilhões de dólares.
O acordo entre Kroc e os McDonald foi selado com um aperto de mãos. Nada de contratos. A desculpa foi que nenhum dos três estava interessado em declarar os 0,5% de participação nos lucros à Receita. Assim, Richard e Maurice McDonald, que um dia tiveram a melhor ideia da história do setor de restaurantes, agora são lembrados pela pior ideia da história do mundo dos negócios. Nunca receberam aquela porcentagem.
Kroc expandiu a rede de restaurantes por todo o país e reciclou o conceito de fast food com um consumo ainda mais rápido. De que maneira? Para que os clientes não ficassem muito tempo nos restaurantes, desligava o sistema de aquecimento; instalou assentos de encosto reto, de modo que os clientes se inclinavam sobre a mesa e, assim, comiam mais rápido; colocou mesas maiores para que os clientes não pudessem conversar à vontade; e as bebidas eram servidas em cones de papel, impossível de apoiar: se o cliente tivesse que segurar a bebida, comeria mais rápido. Os consumidores engoliram esse formato de restaurante, por pura coerência. A experiência acabava saindo tão barata quanto a comida.
Depois de transformar o McDonald’s em uma meca de peregrinação da cultura popular norte-americana, Kroc fez questão de comprar o restaurante original. Os irmãos McDonald se recusaram veementemente em vendê-lo, porque sua intenção era deixá-lo para os funcionários que o haviam inaugurado, em 1940.
Paradoxalmente, este restaurante original teve que ser rebatizado como The Big M, porque o nome “McDonald’s” era uma marca registrada comprada por Kroc. A reação de Kroc foi abrir um McDonald’s do outro lado da rua. Depois de alguns anos, o The Big M fechou as portas, incapaz de competir com o McDonald’s da frente.
Kroc fez questão de entrar para a história como o fundador do McDonald’s. Em sua autobiografia, datou a origem da empresa em 1955, com a abertura do primeiro restaurante supervisionado por ele em Des Plaines, no Estado de Illionis. O sobrinho dos irmãos McDonald, Ronald (sim, tem o mesmo nome do palhaço-propaganda da marca), condena o ego desenfreado de Kroc: “Por que outra razão não colocaria um busto de seu rosto em cada restaurante? Por que colocou seu nome nas toalhas de mesa? Não existe outra empresa nos Estados Unidos na qual um empregado se tornou seu fundador”. Richard McDonald queixou-se de que Kroc esperou para comprar sua empresa para começar a forjar seu legado como o fundador oficial. “Ninguém se referia a ele como o fundador antes de vendermos a empresa. Se eu soubesse, teria ficado vendendo máquinas de milk-shakes.”
Em 1990, a empresa comprou o posto móvel de hambúrgueres com o qual tudo começou. Foi reformado, pintado com as cores corporativas de vermelho e amarelo e instalado em um museu sobre a história do McDonald’s. Os mitos são reescritos rápido assim, quase tão rápido quanto o tempo que se leva para preparar um Big Mac. E a história é sempre escrita pelos vencedores. Maurice McDonald morreu de um ataque cardíaco em 1971, vencido pelo estresse e pela raiva de ter sido enganado e roubado em primeiro lugar, e eliminado da história depois. Richard encarou tudo mais tranquilamente e viveu até os 89 anos.
“Tenho dinheiro suficiente, não vale a pena morrer por isso”, disse ao sobrinho Ronald. E acrescentou: “Vi como meu irmão Maurice sofreu a ponto de morrer, e não quero que aconteça o mesmo comigo”. Mas Richard McDonald reconhecia que morria de raiva sempre que recebia em casa um exemplar anual da revista do McDonald’s comemorando o “Dia do Fundador”: uma homenagem a Ray Kroc que nem sequer mencionava os irmãos McDonald. No entanto, Richard sempre afirmou que não se arrependia de sua decisão de vender a empresa e garantir uma vida tranquila. “Caso contrário, teria terminado em um arranha-céu com quatro úlceras e oito promotores tentando resolver minha declaração de imposto de renda”, refletia em 1991.
Quando morreu, em 1998, Richard McDonald morava em uma casa de três quartos em sua terra natal, New Hampshire. Deixou uma herança de 5,7 milhões de reais. Ray Kroc, por sua vez, morreu em 1984, com uma fortuna estimada em 1,6 bilhão de reais, e depois de ter comprado sua própria equipe de beisebol. Hoje, o site do McDonald’s lembra com orgulho da história de sua dominação mundial dos carboidratos. A primeira parada neste passeio ao longo da história do McDonald’s é em 1955, com a chegada de Ray Kroc.
Agora estreia Fome de Poder, uma comédia na qual Michael Keaton interpreta Ray Kroc, e os irmãos McDonald aparecem como divertidos coadjuvantes. Um dos slogans do filme: “[Ray Kroc] Roubou uma ideia e o mundo a comeu”.
Devorados pela ambição de seu sócio, Richard e Maurice ficaram para a posteridade como dois sujeitos com uma grande ideia, mas com um sonho muito pequeno. Em 1989, uma campanha promocional resumia o legado da empresa: “Tudo começou com uma centelha de Dick [Richard] e Mac [Maurice] McDonald. E, graças à mão condutora de Ray Kroc, se transformou em uma chama. Hoje, os arcos dourados brilham em toda esta nação”.
E, de fato, esse M gigante brilha tanto que acabou deixando seus criadores na sombra. Porque, no negócio que inventou o conceito de fast food, importante não é quem prepara o hambúrguer, e sim a velocidade com que é servido. E Ray Kroc foi o sujeito mais rápido desta história.
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