Avenida Niemeyer, Rio de Janeiro, Brasil
Rio de Janeiro - RJ
TP N. 522
Fotografia - Cartão Postal
Cheia de
charme e glamour, mesmo aos 100. A Avenida Niemeyer que se torna centenária
hoje já nasceu com vocação para provocar fascínio. Mal veio ao mundo e já se
enfeitou, com um novo viaduto, em homenagem ao Rei Alberto, da Bélgica. Jovem
na paisagem da cidade, viu os pilotos mais radicais se arriscarem em suas
curvas. Ganhou admiradores famosos, como o arquiteto Le Corbusier, que a chamou
de uma das mais belas do planeta. Atraiu ricos e pobres. Virou atração
turística, literalmente, de parar o trânsito. Vivenciou namoros. Foi abalada
por tragédias, como a recente queda de um trecho da Ciclovia Tim Maia. Mas
continua encantando, até quem já explorou quase todos os seus detalhes.
— Sempre
descubro uma paisagem que nunca tinha percebido, sejam ângulos da Pedra da
Gávea ou das Ilhas Cagarras. Nos dias ensolarados, é mais deslumbrante ainda:
céu e mar se confundem no horizonte — afirma Suze Carla de Araújo, gerente de
marketing que trabalha diante de uma janela para a Niemeyer.
— Todos os
dias caminho pela avenida. Acho o Viaduto Rei Alberto uma das construções mais
bonitas do Rio, todo em pedra minuciosamente encaixada — destaca o arquiteto
Arnaldo de Niemeyer Wright, que mora num dos recantos da via, com vista para a
Praia de São Conrado.
E olha que ele
fala com autoridade de quem tem antepassados que conceberam essa senhora
avenida. Arnaldo é bisneto do comendador Conrado Jacob Niemeyer, que bancou a
ideia de ligar o Leblon a São Conrado — onde era dono de terras —, e neto do
engenheiro militar Álvaro Niemeyer. Foram os dois que concretizaram planos que
já vinham em gestação desde 1881, quando a Companhia Viação Férrea Sapucaí
escavou, na encosta do Morro Dois Irmãos, 800 metros do que seria uma ferrovia
do Rio até Angra dos Reis.
Uma primeira
tentativa, contudo, que não vingou, assim como outra, de 1913, empreendida por Charles
Armstrong, diretor do Colégio Anglo-Brasileiro, que já previa ali uma avenida
litorânea. A iniciativa dos Niemeyer, sim, prosperou, e a via foi entregue à
cidade em 20 de outubro de 1916, uma estrada de terra ainda, que seria
pavimentada três anos mais tarde, pelo prefeito Paulo de Frontin.
O Viaduto Rei
Alberto também é desse período, mais precisamente 1920, mas acabaria sendo mais
conhecido com outro nome: “Gruta da Imprensa”. É que a bonita Niemeyer
disputava a atenção dos flashes, parte do Circuito da Gávea, corrida que, entre
1933 e 1954, chegou a reunir 300 mil espectadores para ver destemidos pilotos
voarem baixo nas famosas baratinhas. Na sinuosa avenida, eles beiravam precipícios.
Um deles no viaduto, onde os fotógrafos se postavam.
— Se hoje, com
o trânsito lento, já acho a avenida perigosa, imagina numa corrida de carros —
surpreende-se Ana de Souza, moradora do Vidigal, enquanto aponta os riscos
atuais da via: — É difícil atravessá-la. É comum ônibus tirarem um fino de
ciclistas e pedestres no caminho.
No passado, no
entanto, a Niemeyer ainda era endereço para poucos. O crescimento de Ipanema e
Leblon, na metade do século passado, impulsionou a expansão da Favela do
Vidigal. E, nos anos 1960, no número 550, surgiu a que ficou conhecida como Rua
dos Artistas. Um condomínio, na verdade, que virou lar de ícones da época, como
Elis Regina e Juca Chaves.
A via entrava,
definitivamente, para a alta sociedade. O lugar onde ficava a casa de Álvaro
Niemeyer, em 1971, virou o Motel VIPs, idealizado pelo empresário Ignácio
Loyola, que resolveu aproveitar a fama de “namoródromo” que tinha aquele canto
da cidade. Já em 1974, era a vez de a primeira cadeia internacional de hotéis
desembarcar no Rio, o Sheraton, e se estabelecer na Niemeyer, ao lado da Praia
do Vidigal. Estava dada a cara que a avenida manteria até pouco tempo atrás,
como um microcosmo da beleza e do caos, da mistura de requinte e pobreza.
— Um hotel de
luxo com uma favela ao fundo, à beira-mar! Isso é impressionante — observava o
turista americano Joe Daniel, perto do Mirante do Leblon, na terça-feira
passada.
Nesse cenário,
algumas propostas tentaram repaginar a via. A primeira plástica foi planejada
em 1994, para duplicá-la até o Vidigal. Em 1998, o prefeito Luiz Paulo Conde
também pensou alargá-la, com pistas projetadas acima do mar, integradas a um
novo túnel entre a Avenida Delfim Moreira, no Leblon, e o Vidigal. Nova
proposta foi estudada em 2010, no pacote de obras olímpicas. Nada feito.
Para os Jogos,
a via foi recapeada. Em vez das novas pistas, foi construída a Ciclovia Tim
Maia, inaugurada em janeiro de 2016 e interditada três meses depois, após o
desabamento de um trecho que deixou duas pessoas mortas. Por determinação da
Justiça, está fechada até hoje e, segundo a Fundação Geo-Rio, sem previsão para
ser liberada. Independentemente de reabrir mais segura ou não, um fato já está
consumado com a nova ciclovia.
— Ela tirou
parte da vista do mar de quem passa de carro pela avenida. É uma pena — reclama
Ana Loyola, neta de Ignácio Loyola, que hoje administra o motel fundado pelo
avô.
Já a avenida,
garante a prefeitura, é estável, mesmo que centenária. É bem verdade que
precisa de cuidados constantes, e vigilância também, devido à encosta escarpada
acima das pistas. Os perigos incluem pedras que podem despencar, além do
lançamento de esgoto no costão. Problemas, no entanto, mais controlados hoje do
que no passado, afirma a Geo-Rio.
O próprio
Oscar Niemeyer, certa vez, esclareceu: não, a Avenida Niemeyer não era uma
homenagem a ele, mas a um parente antigo, por parte de pai. Trata-se do
comendador Conrado Jacob Niemeyer, que custeou a abertura da estrada — caminho
para suas terras em São Conrado e parte da Barra da Tijuca —, doada em seguida
à cidade. Do outro lado do Morro Dois Irmãos, em 1903 ele já tinha construído a
Igreja de São Conrado, que mais tarde daria nome ao bairro. Em seu tempo, era
um visionário, por certo, mas nem podia imaginar que por ali se abriria caminho
para a expansão da cidade rumo a uma área, na época, quase inabitada.
— Ele é parte
de um tempo em que as pessoas mais ricas faziam obras para a população, o que
hoje é inimaginável — diz seu bisneto, Arnaldo de Niemeyer Wright.
Hoje, são mais
de 36 mil veículos por dia trafegando no trecho próximo ao Sheraton Grand Rio.
Do antigo Hotel Leblon, com fachada restaurada, ao Hotel Nacional, em
revitalização, em São Conrado, o trânsito pesado dura quase o dia inteiro. E,
mesmo após 100 anos, a via, bela e sinuosa, continua fundamental para o fluxo
entre as zonas Sul e Oeste do Rio, apesar de a maior parte do tráfego, hoje, se
concentrar na Autoestrada Lagoa-Barra.
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