quinta-feira, 31 de outubro de 2019

Avenida Niemeyer, Rio de Janeiro, Brasil


Avenida Niemeyer, Rio de Janeiro, Brasil
Rio de Janeiro - RJ
TP N. 522
Fotografia - Cartão Postal


Cheia de charme e glamour, mesmo aos 100. A Avenida Niemeyer que se torna centenária hoje já nasceu com vocação para provocar fascínio. Mal veio ao mundo e já se enfeitou, com um novo viaduto, em homenagem ao Rei Alberto, da Bélgica. Jovem na paisagem da cidade, viu os pilotos mais radicais se arriscarem em suas curvas. Ganhou admiradores famosos, como o arquiteto Le Corbusier, que a chamou de uma das mais belas do planeta. Atraiu ricos e pobres. Virou atração turística, literalmente, de parar o trânsito. Vivenciou namoros. Foi abalada por tragédias, como a recente queda de um trecho da Ciclovia Tim Maia. Mas continua encantando, até quem já explorou quase todos os seus detalhes.
— Sempre descubro uma paisagem que nunca tinha percebido, sejam ângulos da Pedra da Gávea ou das Ilhas Cagarras. Nos dias ensolarados, é mais deslumbrante ainda: céu e mar se confundem no horizonte — afirma Suze Carla de Araújo, gerente de marketing que trabalha diante de uma janela para a Niemeyer.
— Todos os dias caminho pela avenida. Acho o Viaduto Rei Alberto uma das construções mais bonitas do Rio, todo em pedra minuciosamente encaixada — destaca o arquiteto Arnaldo de Niemeyer Wright, que mora num dos recantos da via, com vista para a Praia de São Conrado.
E olha que ele fala com autoridade de quem tem antepassados que conceberam essa senhora avenida. Arnaldo é bisneto do comendador Conrado Jacob Niemeyer, que bancou a ideia de ligar o Leblon a São Conrado — onde era dono de terras —, e neto do engenheiro militar Álvaro Niemeyer. Foram os dois que concretizaram planos que já vinham em gestação desde 1881, quando a Companhia Viação Férrea Sapucaí escavou, na encosta do Morro Dois Irmãos, 800 metros do que seria uma ferrovia do Rio até Angra dos Reis.
Uma primeira tentativa, contudo, que não vingou, assim como outra, de 1913, empreendida por Charles Armstrong, diretor do Colégio Anglo-Brasileiro, que já previa ali uma avenida litorânea. A iniciativa dos Niemeyer, sim, prosperou, e a via foi entregue à cidade em 20 de outubro de 1916, uma estrada de terra ainda, que seria pavimentada três anos mais tarde, pelo prefeito Paulo de Frontin.
O Viaduto Rei Alberto também é desse período, mais precisamente 1920, mas acabaria sendo mais conhecido com outro nome: “Gruta da Imprensa”. É que a bonita Niemeyer disputava a atenção dos flashes, parte do Circuito da Gávea, corrida que, entre 1933 e 1954, chegou a reunir 300 mil espectadores para ver destemidos pilotos voarem baixo nas famosas baratinhas. Na sinuosa avenida, eles beiravam precipícios. Um deles no viaduto, onde os fotógrafos se postavam.
— Se hoje, com o trânsito lento, já acho a avenida perigosa, imagina numa corrida de carros — surpreende-se Ana de Souza, moradora do Vidigal, enquanto aponta os riscos atuais da via: — É difícil atravessá-la. É comum ônibus tirarem um fino de ciclistas e pedestres no caminho.
No passado, no entanto, a Niemeyer ainda era endereço para poucos. O crescimento de Ipanema e Leblon, na metade do século passado, impulsionou a expansão da Favela do Vidigal. E, nos anos 1960, no número 550, surgiu a que ficou conhecida como Rua dos Artistas. Um condomínio, na verdade, que virou lar de ícones da época, como Elis Regina e Juca Chaves.
A via entrava, definitivamente, para a alta sociedade. O lugar onde ficava a casa de Álvaro Niemeyer, em 1971, virou o Motel VIPs, idealizado pelo empresário Ignácio Loyola, que resolveu aproveitar a fama de “namoródromo” que tinha aquele canto da cidade. Já em 1974, era a vez de a primeira cadeia internacional de hotéis desembarcar no Rio, o Sheraton, e se estabelecer na Niemeyer, ao lado da Praia do Vidigal. Estava dada a cara que a avenida manteria até pouco tempo atrás, como um microcosmo da beleza e do caos, da mistura de requinte e pobreza.
— Um hotel de luxo com uma favela ao fundo, à beira-mar! Isso é impressionante — observava o turista americano Joe Daniel, perto do Mirante do Leblon, na terça-feira passada.
Nesse cenário, algumas propostas tentaram repaginar a via. A primeira plástica foi planejada em 1994, para duplicá-la até o Vidigal. Em 1998, o prefeito Luiz Paulo Conde também pensou alargá-la, com pistas projetadas acima do mar, integradas a um novo túnel entre a Avenida Delfim Moreira, no Leblon, e o Vidigal. Nova proposta foi estudada em 2010, no pacote de obras olímpicas. Nada feito.
Para os Jogos, a via foi recapeada. Em vez das novas pistas, foi construída a Ciclovia Tim Maia, inaugurada em janeiro de 2016 e interditada três meses depois, após o desabamento de um trecho que deixou duas pessoas mortas. Por determinação da Justiça, está fechada até hoje e, segundo a Fundação Geo-Rio, sem previsão para ser liberada. Independentemente de reabrir mais segura ou não, um fato já está consumado com a nova ciclovia.
— Ela tirou parte da vista do mar de quem passa de carro pela avenida. É uma pena — reclama Ana Loyola, neta de Ignácio Loyola, que hoje administra o motel fundado pelo avô.
Já a avenida, garante a prefeitura, é estável, mesmo que centenária. É bem verdade que precisa de cuidados constantes, e vigilância também, devido à encosta escarpada acima das pistas. Os perigos incluem pedras que podem despencar, além do lançamento de esgoto no costão. Problemas, no entanto, mais controlados hoje do que no passado, afirma a Geo-Rio.
O próprio Oscar Niemeyer, certa vez, esclareceu: não, a Avenida Niemeyer não era uma homenagem a ele, mas a um parente antigo, por parte de pai. Trata-se do comendador Conrado Jacob Niemeyer, que custeou a abertura da estrada — caminho para suas terras em São Conrado e parte da Barra da Tijuca —, doada em seguida à cidade. Do outro lado do Morro Dois Irmãos, em 1903 ele já tinha construído a Igreja de São Conrado, que mais tarde daria nome ao bairro. Em seu tempo, era um visionário, por certo, mas nem podia imaginar que por ali se abriria caminho para a expansão da cidade rumo a uma área, na época, quase inabitada.
— Ele é parte de um tempo em que as pessoas mais ricas faziam obras para a população, o que hoje é inimaginável — diz seu bisneto, Arnaldo de Niemeyer Wright.
Hoje, são mais de 36 mil veículos por dia trafegando no trecho próximo ao Sheraton Grand Rio. Do antigo Hotel Leblon, com fachada restaurada, ao Hotel Nacional, em revitalização, em São Conrado, o trânsito pesado dura quase o dia inteiro. E, mesmo após 100 anos, a via, bela e sinuosa, continua fundamental para o fluxo entre as zonas Sul e Oeste do Rio, apesar de a maior parte do tráfego, hoje, se concentrar na Autoestrada Lagoa-Barra.

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