terça-feira, 29 de outubro de 2019

Dardo F-1.3, Brasil










Dardo F-1.3, Brasil
Fotografia



A fórmula consagrada para os fora-de-série nacionais era: carroceria de fibra de vidro + mecânica VW refrigerada a ar. No fim dos anos 70, época em que estavam em alta no mercado, quase todos os especiais compactos eram feitos com base nessa combinação. Custo mais baixo e facilidade de manutenção falavam a seu favor. Mas nem todos os pequenos fabricantes pensavam assim. Apresentado no Salão do Automóvel de 1978, o Dardo F-1.3 quebrou a tradição ao utilizar o motor do Fiat 147 Rallye. Ousadia ainda maior foi colocá-lo entre os eixos do esportivo, nosso primeiro com motor central. O modelo começou a ser produzido em agosto do ano seguinte.
O Dardo tinha plataforma própria, feita de tubos de aço revestidos de plástico. Mais sofisticado e exclusivo que seus pares de fibra, o esportivo era a cópia quase fiel do esportivo X 1/9, vendido sob a marca de Turim no exterior. Por aqui, seu equivalente nacional teve chassi e suspensão adaptados pelo preparador Toni Bianco para a Corona S.A., empresa do Grupo Caloi, em Diadema (SP). A Fiat até capitalizou a ideia e passou não só a vender o esportivo como também a fornecer o suporte da rede para garantia e manutenção.
Após ganhar uma versão a álcool de 62 cv, o Dardo teve painel e parachoques reestilizados em 1981. A chegada do motor de 1,5 litro de 96 cv no ano seguinte foi a última grande novidade preparada pela Corona para o modelo, que ela produziu por mais um ano. Mas, ao contrário do que muitos pensaram, esse não seria o fim do Dardo. O projeto foi adquirido pelo empresário italiano Rosário Di Priolo, que passou a montar o esportivo sem grande alarde no município de Cotia (SP), sob a marca Grifo. O próprio Toni Bianco ajudou na instalação da fábrica. O Dardo ganhou frente e traseira redesenhadas com vistas a um possível contrato de exportação para os Estados Unidos, que acabou sendo economicamente inviável.
A dianteira lembrava muito a do Porsche 928, com faróis circulares que se inclinavam para a frente quando acesos. “Tenho cerca de 50 carros, entre prontos e semiprontos, estocados aqui”, revela o empresário. Ele admite que o negócio não prosperou porque ele se concentrou mais nos aspectos técnicos do modelo que nos comerciais. Segundo o empresário italiano, na fase da Grifo ainda era possível encomendar os Dardo em concessionárias Fiat, mas ele não soube precisar até quando. Di Priolo teve problemas com a desapropriação do terreno onde ficava a fábrica. A produção se encerrou em 1985. No entanto, ele afirma que vendeu a última unidade em 2004. A boa notícia é que os proprietários do Dardo podem encomendar peças de reposição junto à Grifo, como fez o dono do exemplar aqui mostrado.
O Dardo das fotos pertence a um colecionador do estado do Rio de Janeiro, que prefere não se identificar. Fã do modelo desde que o viu pela primeira vez em 1980 numa concessionária Fiat, ele soube que o músico paulista Lelo Nazário estava se desfazendo de um Dardo bem conservado, com 62.000 quilômetros rodados, que ele mantinha com grande zelo havia 20 anos.
Por ter ficado parado por muito tempo, o Dardo precisou de pintura e uma boa revisão mecânica. O serviço foi feito numa oficina de restauração de antigos em Petrópolis (RJ), que vem se especializando nos fora-de-série nacionais e que começou como hobby de família. O restaurador André Valente, seu irmão Miguel e o pai Vicente tinham acabado de restaurar dois Puma GTS 1974 para uso próprio. Receberam muitos elogios pelo trabalho. “Começamos a ser procurados para fazer serviços para terceiros”, conta Valente. De cara, eles se incumbiram de recuperar um dos três Puma GT 4R, modelo exclusivo que QUATRO RODAS sorteou entre seus leitores em 1969, e um Puma Spider 1971. Este pertence ao empresário Kiko Malzoni, filho de Rino Malzoni, simplesmente o criador do primeiro Puma.
O painel do Dardo estava razoavelmente personalizado. Volante, espelho retrovisor interno e manopla do câmbio haviam sido trocados e o console teve o cinzeiro substituído por vários botões. Para sorte do novo dono, Nazário havia guardado as peças originais com o manual do proprietário. Elas foram uma a uma recolocadas no Dardo. Instrumentos americanos da Avionics e a tampa do motor Abarth de alumínio cederam espaço para os originais previstos pela Corona. As rodas BBS foram substituídas pelas originais.
Ao desmontar o Dardo, o restaurador descobriu que a tonalidade do vermelho original era bem mais viva. “Mandei fazer a tinta a partir de uma amostra do original”, conta Valente. A parte elétrica passou por uma grande revisão. Nazário havia colocado aquecimento, vidros elétricos e alarme, fora os instrumentos da Avionics. “Tudo foi desmontado e refizemos parte do chicote elétrico”, diz o dono. Todos esses recursos desapareceram. “Consegui todos os emblemas originais. A forração estava perfeita e o estepe ainda era o de fábrica (Pirelli CN 15), quase sem uso”, completa. Acertados todos os ponteiros, o esportivo voltou à ativa.
O Dardo chama atenção por onde passa. Os faróis escamoteáveis, cada vez mais raros nos carros atuais, despertam curiosidade. Além de oferecer ótima posição de dirigir, os comandos bem localizados oferecem conforto ao motorista. O acabamento interno, que o dono diz estar mais esmerado que no original, é todo de couro nos bancos, no painel e nas portas.
Na época em que era vendido nas lojas, havia características do carro que não combinavam com sua sofisticação e o preço cobrado. Vidros com acionamento manual demandam nada menos que oito voltas, os cintos não são retráteis e os retrovisores têm controle manual. No teste do Dardo em fevereiro de 1981, QUATRO RODAS notava que havia ondulação na carroceria, massa cobrindo defeitos na capota e porta-malas que não fechava. Era algo inaceitável para um carro de 980.000 cruzeiros – o equivalente a 153.034 reais, em valores atualizados. Por outro lado, podia vir equipado com ar-condicionado, o que não é o caso deste.
Pode-se guiá-lo sem a pequena capota rígida mesmo em dias mais frios, desde que os vidros fiquem levantados. Isso ajuda a perceber o baixo nível de ruído do motor dentro do habitáculo. Só ao redor de 4.500 rpm é que o barulho começa a incomodar. Além disso, o isolamento térmico evita que o motorista sinta o calor vindo do motor central, localizado logo atrás dele. Só o radiador fica na dianteira.
O motor deixa a desejar, especialmente para a proposta do carro. No teste de 1981, alcançou 146,6 km/h e foi de 0 a 100 km/h em 18,8 segundos. Em contrapartida, é bem econômico para um esportivo, fazendo 13,1 km/l. O câmbio de quatro marchas, ponto fraco do Fiat 147 na época, não poderia se apresentar diferente no Dardo. Os engates torturam o motorista pela imprecisão, especialmente numa tocada mais esportiva. Feitas suavemente, as trocas tendem a ocorrer sem maiores problemas, embora a ausência de uma quinta marcha seja sentida. No teste, às vezes não entrava marcha alguma. “Comportou-se como um autêntico câmbio Fiat”, sentenciou a revista.
A suspensão, independente e rígida, torna o Dardo um carro muito estável nas curvas. O carro tem boa distribuição de peso, o que faz o motorista controlar a direção com facilidade e leveza. Mesmo sem assistência hidráulica, os 32 centímetros de diâmetro do volante facilitam as manobras em locais apertados. Embora seja um carro baixo, com 15,7 centímetros de altura livre do solo, em ruas e estradas com ondulações ou passando por quebra-molas é difícil raspar o esportivo. Equipado com freios a disco nas quatro rodas, talvez seu mais valioso diferencial, o modelo responde bem ao comando do motorista sem causar sustos.
Se não oferece o desempenho sanguíneo de um esportivo italiano, o Dardo tem as linhas, a posição de dirigir e a firmeza nas curvas que não fariam feio na Itália. Num tempo em que a maior parte dos fora-de-série nacionais tinha motor de Fusca, com resultados equivalentes, o Dardo foi um belo corpo para a primeira incursão da mecânica Fiat nesse universo de carros exclusivos.

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