terça-feira, 29 de outubro de 2019

Fusão dos Estados da Guanabara e Rio de Janeiro, 1975 - Artigo



Fusão dos Estados da Guanabara e Rio de Janeiro, 1975 - Artigo
Artigo



A Guanabara foi um estado do Brasil de 1960 a 1975, que existiu no território correspondente à atual localização do município do Rio de Janeiro. Em sua área, esteve situado o antigo Distrito Federal. A palavra guanabara tem sua origem no tupi guaná-pará, que significa seio-mar. Sua sigla era GB e seu gentílico era guanabarino.
Em 1834, a cidade do Rio de Janeiro, que em 1763 sucedeu Salvador como capital do Brasil colonial e depois imperial, foi compreendida no Município Neutro, permanecendo como capital do Império do Brasil, enquanto que Niterói passou a ser a capital da província do Rio de Janeiro. Em 1889, após a Proclamação da República do Brasil, a cidade do Rio de Janeiro continuou sendo a capital do Brasil e a província homônima foi transformada em estado. No dia 24 de fevereiro de 1891, mediante a promulgação da primeira constituição republicana do Brasil, o Município Neutro tornou-se o Distrito Federal. Com a mudança da capital do país para Brasília, o antigo Distrito Federal, tornou-se o estado da Guanabara, de acordo com as disposições transitórias da Constituição de 1946 e da Lei Número 3 752, de 14 de abril de 1960 (Lei San Tiago Dantas).
Com o término da Era Vargas e o vislumbrar de uma nova fase política com o presidente Juscelino Kubitschek, iniciada em 1955, patrocinando a ocupação do interior do Brasil, que na prática eliminava o cenário político brasileiro das pressões sociopolíticas das grandes cidades e de setores políticos influentes, a construção de Brasília representava um baque nos interesses em jogo da elite carioca, pois minimizava o seu tranquilo status de centro das decisões políticas do país.
Diante dessa ameaça, com intensa mobilização entre os grupos políticos cariocas, ainda indecisa com os rumos que a cidade tomaria, optou-se pela criação do estado da Guanabara, com o estado do Rio de Janeiro que dá nome a capital, nas vizinhanças do jovem estado. Para alguns estudiosos, entretanto, o principal problema político não foi solucionado: a perda do poder político e econômico que os fluminenses possuíam até a Proclamação da República do Brasil, avizinhando-se um possível esvaziamento da cidade do Rio de Janeiro no mesmo sentido.
Em plebiscito realizado em 21 de abril de 1963, a população decidiu pela continuidade da existência de um único município na unidade federativa, mantendo-se nessa condição. O primeiro governador, José Sette Câmara Filho, foi nomeado pelo presidente da República e exerceu o cargo até 5 de dezembro de 1960, quando o passou para o primeiro governador eleito, Carlos Lacerda, que exerceu o cargo por cinco anos.
O Governo Lacerda dinamizou mudanças radicais na Guanabara, ao promover a remoção de favelas para outras regiões (e a consequente criação da Vila Kennedy, Vila Aliança e da Cidade de Deus), a construção da adutora do Rio Guandu para o abastecimento de água e uma série de modificações paisagísticas. Dentre as principais obras realizadas nesse período, destacam-se a abertura do Túnel Rebouças, o alargamento da Praia de Copacabana e a construção da maior parte do Parque Eduardo Gomes.
Nesse período, também foi organizada a Companhia Estadual de Telefones, cuja missão foi a de instalar serviço de telefones automáticos nos afastados subúrbios, como Irajá, Bento Ribeiro, Bangu, Campo Grande e Santa Cruz, na baixada de Jacarepaguá e na Barra da Tijuca, assim como na Ilha do Governador e na Ilha de Paquetá. Anos mais tarde a companhia estadual foi incorporada ao sistema telefônico fluminense, que, através da TELERJ, passou a atender o restante do estado após a incorporação.
A pedido de Lacerda, foi efetuada a elaboração do Plano Doxiadis, conjunto de projetos ligados a área urbanística. A Linha Lilás foi a primeira a ser construída, entre as décadas de 1960/1970 e a Linha Verde foi apenas parcialmente construída. Já a Linha Vermelha e a Linha Amarela foram desengavetadas e concretizadas apenas na década de 1990. Todas, baseadas no plano que ainda previa as linhas Azul e Marrom.
Os outros governadores eleitos para exercer a chefia do Poder Executivo da Guanabara foram Francisco Negrão de Lima (de 1965 a 1971) e Antônio de Pádua Chagas Freitas (1971 a 1975), em cujo governo foi construído o emissário submarino de esgotos de Ipanema.
A condição desse estado permitiu que a Guanabara, mesmo depois de perder verbas federais com a transferência da capital federal para Brasília, desfrutasse de uma elevada receita per capita de dupla arrecadação com os impostos municipais e estaduais, o que lhe possibilitou o financiamento do grande número de obras públicas realizadas durante a década de 1960. Era um estado rico, ao contrário do vizinho estado do Rio de Janeiro, que era pobre, com uma economia que se esvaziava desde 1927 mesmo com a industrialização ocorrendo no eixo Rio-São Paulo.
Os investimentos efetuados foram considerados instrumentos de estímulo à reinserção da Guanabara num novo cenário político e econômico brasileiro. O governo federal tirou da gaveta a antiga ideia de uma ligação entre as cidades do Rio de Janeiro e Niterói por uma ponte, a qual seria em meados da década de 1970 usada como um símbolo da incorporação. Foi construída, então, a Ponte Presidente Costa e Silva. Outros investimentos federais foram implementados no estado do Rio de Janeiro, como as usinas atômicas de Angra dos Reis, porém, com a incorporação, a cidade do Rio de Janeiro teve sua economia fortemente afetada pela fraca economia do estado do Rio de Janeiro.
Pela Lei complementar número 20, de 1 de julho de 1974, durante a presidência do general Ernesto Geisel, decidiu-se realizar a incorporação dos estados da Guanabara e do Rio de Janeiro, a partir de 15 de março de 1975, mantendo a denominação de estado do Rio de Janeiro, voltando-se à situação territorial de antes da criação do Município Neutro, com a cidade do Rio de Janeiro também voltando a ser a capital fluminense.
A última grande alteração nos estatutos políticos do Rio de Janeiro ocorreu em 1975, quando foi estabelecido o território do atual estado do Rio de Janeiro, por meio da fusão, sem consulta popular, dos antigos estados da Guanabara e do Rio de Janeiro. O propósito de unir a cidade do Rio de Janeiro ao estado do Rio de Janeiro não era novidade, mas, por motivos diversos, sofria resistência. Líderes políticos que defendiam a ideia da fusão destacavam que a medida, por ser eminentemente técnica, favoreceria o desenvolvimento da região.
Um extenso debate sobre os destinos da cidade, iniciado na imprensa da época, alcançou o Congresso, dividindo opiniões de cariocas e fluminenses de diferentes partidos políticos. O que estava em jogo, acima da fusão, era, segundo a historiadora Marieta de Moraes Ferreira, “a autonomia do antigo Distrito Federal em relação ao governo federal e o consequente controle do poder local. Como se sabe, a autonomia foi obtida via a criação do estado da Guanabara”.
A proposta partiu do Poder Executivo, conduzido, naquela época, por um presidente militar: o general Ernesto Geisel (1907-1996). Segundo ele, a fusão “já estava nas minhas cogitações antes de assumir a presidência da República. Já era um assunto que se analisava e desde então foi acertado. (...) Estudou-se como se tinha de fazer e preparou-se a legislação. Reclamam de eu não ter feito um plebiscito. Ia ser dispendioso e eu não pretendia mudar minha opinião”.
A fusão do estado da Guanabara com o estado do Rio de Janeiro transformou-se em realidade durante a ditadura militar (1964-1985). Foi decretada na época do governo Geisel, em 12 de julho de 1974, sancionada pela Lei Complementar nº 20 e implantada a partir de 1º de março de 1975.
A partir daí, a Guanabara tornava-se um município do atual estado, sendo que a cidade do Rio de Janeiro passava a exercer a função de capital dessa nova unidade federada. Niterói, por sua vez, ao perder o status de capital de estado e sendo convertida em sede de um município, vivenciou um processo de esvaziamento, conforme registrou o Diário do Congresso Nacional.
Muitos eram os desgostosos que lamentavam a situação a que chegara a chamada Cidade Sorriso, como o então senador Nelson de Souza Carneiro (1910-1996), que proferiu discurso a respeito no Congresso Nacional, em 4 de junho 1975.
Segundo a historiadora Marly Motta, anulava-se a “singularidade da antiga Guanabara em prol de sua integração ao novo estado do Rio de Janeiro”. Isso nos faz refletir sobre os limites e as possibilidades de um projeto como a fusão. Motta prossegue: “cuja implementação teria que lidar com a identidade política de duas regiões forjada pela memória que cada uma delas construiu de seu próprio passado. De um lado, a cidade do Rio de Janeiro, capital do país por mais de cem anos, há 15 ocupando um lugar singular na federação, o de estado-capital, e lutando para conservar o seu tradicional papel de ‘caixa de ressonância’ de país; de outro, o antigo estado do Rio, a ‘Velha Província’, dividido entre a atração pela ‘cidade maravilhosa’ e o medo da suburbanização”.
Após 1º de março de 1975, quando a fusão foi implantada, recriar uma nova identidade para o Rio não foi tarefa das mais fáceis. Havia diferenças entre a cidade que fora capital do Império e da República – espaço que sintetizava até então a nação – e o restante do estado. Mesmo com a transferência da capital federal, acontecida em 21 de abril de 1960, a Guanabara ainda preservava a maior parte das funções de principal centro político do país, até que efetivos investimentos dotaram Brasília (capital de direito) das atribuições de uma capital de fato.
Um aspecto cultural era motivo de questionamento na época. Muitos se perguntavam se o carioca se entenderia como natural do estado do Rio de Janeiro ou de sua capital. Aliás, consta que a expressão carioca, referindo-se aos que nascem na cidade, começou a ser usada a partir da criação do Município Neutro, desmembrado da antiga província do Rio de Janeiro, em 1834. Anteriormente, eram chamados de fluminenses, do latim flumens, que significa rio. Hoje, o nome se aplica aos nascidos no estado do Rio de Janeiro e não na cidade.
Com a fusão, a antiga Guanabara perdeu sua arrecadação estadual, e os repasses federais foram remanejados para um novo e ampliado território, ainda não beneficiado pelos chamados royalties do petróleo, que viriam mais tarde.
O descontentamento de boa parte da população carioca da época, que não enxergava com bons olhos o fato de o Rio ter sido reduzido a um município, coincide com o desabafo de Francisco de Melo Franco, último secretário de Planejamento da Guanabara: “O Rio de Janeiro faz parte da história mundial. Como pode ser um município como outro qualquer?”.
O general-presidente Emílio Garrastazu Médici cruzou de Rolls Royce a Ponte Rio-Niterói em 4 de março de 1974, e, incentivado por essa realização, coube a seu sucessor, o também general Ernesto Geisel, acelerar o projeto de fusão do Estado do Rio com a Guanabara. No dia 1º de julho de 1974, quatro meses depois da inauguração da obra ligando as duas cidades — um dos vértices do projeto Brasil Grande arquitetado pelos militares desde 1964 —, Geisel sancionou a lei complementar que regulava a formação de novos estados e territórios e fixava as disposições para a fusão dos estados da Guanabara e Rio de Janeiro, criando a Área Metropolitana do Grande Rio, com 14 municípios: Rio (a capital do novo estado), Niterói, Duque de Caxias, Itaboraí, Itaguaí, Magé, Maricá, Nilópolis, Nova Iguaçu, Paracambi, Petrópolis, São Gonçalo, São João de Meriti e Mangaratiba.
A união, segundo seus defensores, facilitaria o desenvolvimento regional. Alguns dos críticos, por sua vez, reclamavam do custo elevado da fusão para a economia da Guanabara (da cidade do Rio de Janeiro), então um estado mais rico, por ter de incorporar o antigo Estado do Rio, área mais pobre. Outros viam também na fusão uma manobra política da ditadura, com o objetivo de neutralizar o crescimento na Guanabara do MDB, o partido de oposição, já que o interior do Estado do Rio seria dominado pelo partido oficial, a Arena.
Em 11 de setembro de 1974, o presidente Geisel escolheu o vice-almirante Floriano Peixoto Faria Lima como futuro governador, sendo nomeado para o cargo no dia 3 de outubro. Ele assumiria na data em que os dois estados passariam a se constituir um só, conforme a lei: 15 de março de 1975. Em janeiro daquele ano, o Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER) trocava as placas indicativas de “Guanabara” por outras com “Rio de Janeiro” escrito nelas, em 800 quilômetros de pistas.
Em 28 de fevereiro de 1975, foi anunciado o nome do novo prefeito do Rio: o engenheiro Marcos Tito Tamoyo da Silva, de 49 anos. Para ele, o grande problema da área metropolitana do Rio era o transporte de massas. Ronaldo Arthur da Cruz Fabrício foi designado prefeito de Niterói por Faria Lima. Fabrício afirmou que seu objetivo era “humanizar a cidade”.
Às 18h do dia 14 de março de 1975, a bandeira do Estado da Guanabara foi arriada pela última vez no Palácio Guanabara, em Laranjeiras. No dia seguinte, no mesmo local, a posse de Floriano Peixoto Faria Lima, que morreu em 9 de julho de 2011, inaugurou o novo estado. Ele governou o Estado do Rio de 1975 a 1979. Ao assumir, recebeu o cargo do ministro da Justiça, Armando Falcão, com a presença dos ex-governadores, eleitos indiretamente, Chagas Freitas, da Guanabara (1970-1975), e Raimundo Padilha, do Estado do Rio (1971-1975), que morreu em 19 de setembro de 1988. Chagas ainda voltaria ao poder: em 15 de março de 1979, ele tomou posse como governador, novamente eleito de forma indireta, do Estado do Rio, permanecendo no cargo até março de 1983. Chagas Freitas morreu em 30 de setembro de 1991.

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