Ferrari F40, A Máquina do Tempo, Itália, Artigo
Fotografia
Peça a
qualquer apaixonado por carros que faça uma lista dos melhores esportivos já
fabricados no mundo. Pode ter certeza: em algum momento surgirá a Ferrari F40.
Se ele for um
leitor antigo da QUATRO
RODAS, a menção do nome
virá acompanhada de duas coisas: um sorriso de satisfação e a lembrança do célebre teste publicado na edição de
novembro de 1992.
Coincidência
ou destino, tivemos a sorte de reencontrar a F40 após 25 anos daquele teste, no
ano em que completamos nosso 57º aniversário. Em quase seis décadas de vida,
poucas histórias foram tão marcantes na QUATRO RODAS quanto essa reunião.
Para
relembrá-la, precisamos antes voltar no tempo:
precisamente 1987. Para celebrar os 40 anos da Ferrari, a F40 nasceu naquele
ano como o automóvel de maior prestígio do mundo.
Apresentada no
Salão de Frankfurt, é considerada por muitos um dos automóveis mais sublimes já
criados. Talvez a aura exista porque ela é uma contradição ambulante.
Carrega toda a
tecnologia de ponta da época combinada a um interior tão franciscano que não é
páreo para o mais básico dos Fiat Mobi. É sério: as portas não têm
revestimento, as janelas são de plástico e não descem e, para abrir a porta,
puxa-se uma cordinha, pois não há maçaneta interna.
A lógica da
sua criação era ser nada mais que um carro de corrida para as ruas. Seu único
compromisso era proporcionar prazer ao piloto através de uma experiência única
e singular, por meio de acelerações brutais, controles precisos, comportamento
estável e toda a sonoridade de um motor V8 biturbo.
Com 478 cv
empurrando seus 1.235 kg, deveria ser mais rápida e veloz que os concorrentes
Porsche 959 e Lamborghini Countach.
Apesar de
bela, a F40 foi idealizada como uma obra de arte da engenharia: a carroceria de
plástico reforçado com fibras de carbono e de vidro e kevlar foi projetada para
obter downforce digno
de um bólido de competição.
O velocímetro
cujo marcador vai até 360 km/h e a faixa vermelha do conta-giros a 7.750 rpm (que é a rotação de
corte) dão a quem tiver coragem de assumir seu volante uma ideia do que o espera.
O paradoxo da
alta tecnologia mecânica versus o acabamento espartano ficou evidente quando o
cupê italiano de dois lugares posou para a sessão de fotos, no fim de junho.
Ela estava
muito bem guardada na FBF Collezione, garagem de Ribeirão Preto (SP) cujo
acervo rivaliza em qualidade e quantidade com alguns dos melhores museus da
Europa e dos Estados Unidos.
Tudo levava a
crer que estávamos diante da mesma unidade que testamos há 25 anos. “É quase
100% de certeza”, gostam de dizer a maioria dos envolvidos na história.
Afinal, os
registros oficiais se perderam num tempo muito
antes da chegada da internet e das fotos digitais. Dona do veículo na época, a Fiat brasileira não tem
os documentos nos seus arquivos. E a Ferrari italiana não conseguiu confirmar
se o chassi é o mesmo.
Tudo o que se
conta é que este exemplar é único na América do Sul.
O mesmo trazido pela Fiat em 1990. Causou furor ao ser pilotado em Brasília
pelo então presidente Fernando Collor, notório entusiasta de esportivos. Foi
ainda destaque do Salão do Automóvel no mesmo ano.
Enquanto a
garagem é transformada em estúdio, gastamos longos minutos apreciando os
detalhes dessa máquina. A tampa traseira de policarbonato transparente exibe os
intercoolers do ar dos turbos e os
coletores de admissão.
A traseira
inconfundível é emoldurada pela enorme asa e pelas tradicionais lanternas
duplas circulares. O escapamento tem três saídas: as laterais para os gases de
escapamento e a central para os gases da válvula de alívio dos turbos.
Com os capôs
levantados é possível admirar as suspensões independentes com braços duplos
triangulares na frente e trapezoidais atrás, apoiadas em molas e amortecedores
Koni concêntricos.
Os enormes
pneus Pirelli P-Zero assimétricos (245/40 à frente e 335/35 atrás) são montados
nas lindas rodas de 17 polegadas com uma única porca central.
Tanto esmero
na construção se justifica, porque a F40 não foi criada para ser um meio de
transporte nem para competições – embora já tenha corrido algumas vezes. Apesar
de belíssima, não serve só como objeto de veneração: foi criada para desfrutar
momentos únicos.
Tanta
exclusividade tornaram esse modelo até difícil de precificar. No lançamento,
custava US$ 400.000 (US$ 850.000 em valores corrigidos), mas já houve unidades
que passaram de US$ 1,6 milhão.
Hoje ou no
passado, uma F40 sempre foi cercada de cuidados. E, quando este exemplar chegou
à fábrica da Fiat, em Betim (MG), não foi diferente. Ficou sob responsabilidade
de uma só pessoa, Giuseppe “Pino” Marinelli, italiano que chegou ao Brasil em
1974 para integrar a equipe de testes do Fiat
147.
Há tempos, ele
mantinha amizade com o jornalista Bob Sharp, que a partir de 1992 assumiu a
função de editor técnico de QUATRO RODAS.
Foi Bob quem
teve a ideia do teste: “Em 1992, eu
havia acabado de chegar à revista, mesma época em que meu amigo Emílio Camanzi
chegou à Fiat para assumir a diretoria de comunicação”. Camanzi havia sido
repórter, chefe de reportagem e editor executivo de QUATRO RODAS entre 1970 e
1988.
“O diretor de
redação Carlos Costa formalizou o pedido ao superintendente da Fiat, Pacifico
Paoli”, conta Camanzi. A princípio, o executivo italiano não simpatizou com a
ideia de submeter um automóvel avaliado em US$ 1 milhão a todos os rigores de
um teste, sem falar nos riscos envolvidos no transporte até São Paulo.
“Eu era o
único autorizado a pilotar a F40, só na pista de testes de Betim”, lembra Pino
Marinelli. “Para convencer o Paoli, foi preciso muita conversa. Expliquei que
eu fora parceiro do Bob duas vezes
nas Mil Milhas e que se tratava de um piloto maduro e experiente, minimizando
assim os riscos de um acidente.”
O executivo
exigiu a contratação de um seguro. Para ser uma das poucas publicações no mundo
a ter esse privilégio, a QUATRO
RODAS pagou o seguro de US$ 14.000 (com franquia de US$
68.000) e o frete de Cr$ 23 milhões (equivalente a R$ 12.700 hoje) para
transportá-la de Betim até a pista de Limeira no sábado e até o aeroporto de
Viracopos no domingo, onde seria a medição de velocidade máxima.
“O maior
trabalho foi a burocracia para fechar a pista de Viracopos”, explica Camanzi. O
protocolo de segurança pedia a presença de uma ambulância e de um caminhão de
bombeiros. “A pista ficou fechada por apenas duas horas, então foi preciso
trabalhar rápido”, afirma Pino.
“A primeira
providência que pedi ao Pino foi a troca do fluido
de freio”, relata Bob. “Antes dos testes, nos comprometemos a não forçar o
carro desnecessariamente, sobretudo nas acelerações, que exigem muito da
embreagem. Também era preciso poupar os pneus Pirelli P-Zero, pois não havia
nenhum para reposição.”
Tamanho
cuidado resultou em números ligeiramente inferiores aos de fábrica. A F40
precisou de 21,83 segundos para percorrer 1.000 metros, ocasião em que alcançou
250,4 km/h.
A prova de 0 a
100 km/h foi realizada em 4,81 segundos (contra 4,1 declarados pela Ferrari).
Mais curioso ainda foi conseguir fazer o raro teste de 0 a 200 km/h: 13,06
segundos.
Até hoje Bob
não esquece a emoção de pilotar o carro mais veloz da época. Ao girar a chave,
ouve-se só a bomba de combustível elétrica, tradição desde os anos 50. A
partida é feita por um botão, como num carro de pista.
O ronco grave
é monitorado pelo conta-giros, cujo limite é de 10.000 rpm, num painel que traz
ainda velocímetro, termômetro de água, indicador de combustível, manômetro de
óleo, termômetro de óleo e manômetro de pressão do turbo.
As dimensões
eram outra surpresa: com só 1,12 m de altura, o acesso ao habitáculo não era
dos mais fáceis. Era preciso vencer o alto batente, que fazia parte do chassi de fibra de carbono.
A atmosfera
era a de um protótipo feito para as pistas: banco em concha sem espuma, volante
com 35 cm de diâmetro, alavanca de câmbio com engates guiados por uma grelha e
pedais de alumínio perfurado.
Durante o
teste não se aferiu o consumo, informação que, em função dopouco tempo,
foi considerada irrelevante. Ainda em Limeira, foram medidas a aceleração
lateral (com espantoso 1,06 g) e a frenagem a 120 km/h (com 62,6 m).
Esta foi
importante para definir o ponto em que começaria a frenagem em Viracopos, no
dia seguinte, pois acreditava-se que seus 2.700 metros seriam insuficientes
para alcançar a máxima.
E, de fato,
faltou pista: a média obtida nos dois sentidos da pista foi de 302,3 km/h, um
pouco distante dos 324 km/h declarados pela Ferrari. Não havia como acelerar
após o ponto de frenagem: era o local exato de acionar os freios Brembo com
discos de 330 mm, que não tinham assistência nem ABS para impedir o travamento
das rodas.
“Foi uma
emoção muito grande quebrar a barreira dos 300 km/h pela primeira vez. O ronco
abafado do V8 de 2,9 litros e o
assobio dos turbos superavam 78 decibéis”, conta Bob.
“Mesmo sem
assistência, os freios tinham uma modulação perfeita, transmitindo muita
segurança. Duro mesmo só a embreagem: a carga dopedal
chegava a 35 kg. Com engates secos e duros, o câmbio também exigia certa força,
mas oferecia escalonamento perfeito para os 58,8 mkgf de torque e 478 cv de
potência.
A posição de
pilotagem era perfeita, facilitada pelo volante quase vertical. Os três pedais
eram perfeitamente posicionados para o punta-tacco.”
Terminado o
teste, a F40 voltou a Betim, onde permaneceu por mais algum tempo antes de ser vendida. Cinco anos depois,
reapareceu numa loja em São Paulo e voltou a sumir.
Saiu
misteriosamente de circulação por vários anos, mas não sem antes entrar para a
história, como a única Ferrari F40 a ser testada na América do Sul por uma publicação.












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