Artigo
«Pacheco não deu ao seu País nem uma obra, nem uma fundação, nem um livro, nem uma ideia. Pacheco era entre nós superior e ilustre unicamente porque «tinha um imenso talento». Todavia, meu caro sr. Mollinet, este talento, que duas gerações tão soberbamente aclamaram, nunca deu, da sua força, uma manifestação positiva, expressa, visível! O talento imenso de Pacheco ficou sempre calado, recolhido, nas profundidades de Pacheco! Constantemente ele atravessou a vida sobre eminências sociais: deputado, director-geral, ministro, governador de bancos, conselheiro de Estado, par, presidente de Conselho - Pacheco tudo foi, tudo teve, neste País que, de longe e a seus pés, o contemplava, assombrado do seu imenso talento. Mas nunca, nestas situações, por proveito seu ou urgência do Estado, Pacheco teve necessidade de deixar sair, para se afirmar e operar fora, aquele imenso talento que lá dentro o sufocava. Quando os amigos, os partidos, os jornais, as repartições, os corpos colectivos, a massa compacta da Nação murmurando em redor de Pacheco «que imenso talento!» o convidavam a alargar o seu domínio e a sua fortuna - Pacheco sorria, baixando os olhos sérios por trás dos óculos dourados, e seguia, sempre para cima, sempre para mais alto, através das instituições, com o seu imenso talento aferrolhado dentro do crânio como no cofre de um avaro. E esta reserva, este sorrir, este lampejar dos óculos, bastavam ao País que neles sentia e saboreava a resplandecente evidência do talento de Pacheco.»
Eça de Queirós, A Correspondência de Fradique Mendes [VIII]
Análise: O personagem Fradique fala sobre Pacheco, uma personagem fictícia representante da classe dos políticos e burocratas. Pacheco possui um discurso típico das ideias iluministas do século XIX e o povo tem a ilusão de estar diante de um verdadeiro líder, cujos interesses estão voltados para a nação. Porém, Pacheco só proferia clichés, de vez em quando, e, no geral, apenas sorria para tentar esconder sua falta de conhecimento. Através da personagem de Pacheco, que não dá voz às aspirações do povo, Eça de Queirós mostra a incapacidade de representação do povo pelo governo.
Pacheco, é um personagem, cuja inteligência se tornou lendária sem fazer nada. Pacheco é uma personagem que tem a pose burocrática e inútil dos políticos. Pacheco tendo dito uma vez em Coimbra, um clichê positivista, "O século XIX era um século de Progresso e de Luz", passou a ser considerado pelos seus pares como um gênio. A partir daí a sua fama vai aumentando.
Curioso nesta carta é vermos a gênese de uma lenda. A lenda do gênio em torno de Pacheco. A sua fama foi aumentando. Vão-se avolumando boatos acerca da maravilhosa capacidade intelectual de Pacheco até que este se torna Ministro. Sempre sem fazer ou dizer nada, apenas um clichê de tempos a tempos, sustentado por uma lenda que dava como quase divina a sua maravilhosa capacidade intelectual. Sem que na realidade tivesse alguma coisa no cérebro. "Pacheco no entanto já não falava. Sorria apenas. A testa cada vez se lhe tornava mais vasta.”

Nenhum comentário:
Postar um comentário