Brasil - 82 minutos
Poster do filme
A ideia é de imensa praticidade: um apartamento, figurantes, poucos personagens centrais, uma mesa de sinuca, o submundo da festa de alta sociedade. Orçamento enxuto, pronto para concretização. Aparições-relâmpago de velhos conhecidos, naturalmente. Globais como Ney Latorraca e Patrícia Pillar, além de egressos dos quadriláteros que povoam a história do cinema nacional. Do Beco dos Aflitos, José Lewgoy; do Beco da Fome, Otávio Augusto; da Boca do Lixo, Jesse James Costa.
“Festa” (1989), escrito e dirigido por Ugo Giorgetti, promove também o encontro de Jorge Mautner, Adriano Stuart e Antonio Abujamra. Respectivamente, o gaitista, o jogador de sinuca e o acompanhante. São contratados para divertir a festa na mansão do onipresente “senador”, um bacana qualquer. Os comes e bebes rolam soltos no andar de cima, enquanto os garçons – capitaneados por Otávio Augusto – correm freneticamente de um lado para outro. Enquanto isso, no andar de baixo, o trio permanece esquecido, revezando-se entre os dois sofás que compõem a sala de estar.
A eles se reúne, vez por outra, a empregada (Iara Jamra), que suspira de amores ao conhecer Latorraca – cinicamente no papel de ator, prima donna, discursando bobagens sócio-filósoficas para a multidão. Lewgoy é um bêbado foragido da festa, impagável, procurando o poire que lhe foi apresentado pela dupla Abujamra-Stuart. Prestem atenção em um dos primeiros closes do filme: eis que surge ele, Jesse James Costa – protagonista de “Jogo Duro”. É o vigia que conversa com o garçom encarregado de transportar um cachorro gigantesco, acochambrado na entrada principal do saguão.
Mautner, Stuart e Abujamra não sabem ao certo quando serão chamados para fazerem o que acham que irão fazer. O planejamento da festa é anárquico, a convivência forçada dos três rende a mistura de hilaridade e melancolia que caracteriza o filme. Um tanto quanto cético – os eventos se sucedem à margem da possibilidade de escolha dos personagens –, enxergo nele, porém, uma carga onírica, em pequeníssima escala, felliniana.
A cena em que os convidados invadem o primeiro andar e depois somem, como por encanto, é arrebatadora. No alheamento em que os renegados permanecem, durante toda a movimentação, encontra-se uma das senhas para análise do todo. Se estão ali por conta da festa, por que, afinal, a festa não se integra a eles? E mesmo no instante em que a festa vai ao encontro dos três, por que sentem-se presos ao primeiro andar, apesar da desconfiança que o gaitista sente pelos outros dois e os outros dois pelo gaitista?
No plano extra-ficcional, as filmagens foram trabalhosas, estressantes, e nisto há detalhes curiosos que valem a pena ser conferidos. O cantor, letrista, escritor, ator – para alguns, “maldito” – Jorge Mautner, é amigo de Giorgetti desde os tempos da adolescência, quando frequentavam a biblioteca municipal da praça Dom José Gaspar, em São Paulo.
Imaginem que a certa altura das gravações de “Festa” iniciou-se uma quase-greve; Mautner, um dos subversivos principais. Com a possibilidade do cronograma em atraso, Giorgetti chamou-o em um canto, relembrou-lhe que se conheciam há anos, Mautner concordou sem hesitação nenhuma e a paralisação virou uma possibilidade canhestra, sempre impedida pelo delirante autor de “Maracatu atômico”.
Adriano Stuart, diretor do célebre “Bacs” – vulgo “Bacalhau” (1976), paródia do “Jaws”, de Spielberg – repetiria em “Boleiros (Era Uma Vez No Futebol...)” (1998) a parceria com Ugo. Ele dá voz a um dos momentos menos pormenorizados e mais interessantes de “Festa”. Grande injustiça, em razão do contexto em que foi gerado. “Quinzinho” – também conhecido pela nome de “Joaquim Pereira da Costa” –, rei da Boca, foi o insólito companheiro de Giorgetti em alguns de seus projetos, contando-lhe causos das altas rodas do Carandiru. Um deles é o da “Pensão Tupinambá”, em que, devido à superlotação, os hóspedes dormiam sentados, amarrados em cordas para não caírem. Abujamra, adormecido, está ao lado de Stuart, que repete o evento a Mautner, acompanhando-o com tremenda incredulidade.
“Festa” opera com maestria todos os eixos da película. Um filme que não deve deixar de ser visto por quem gosta de cinema.

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