Fiat 147, O Primeiro Carro a Álcool do Mundo Produzido em Série, Brasil
Artigo
Comparado aos
epítetos usados para se referir à Fiat após sua
estreia no Brasil, em 1976, o apelido “Cachacinha” dado ao 147 a
álcool era o mais simpático – e real, pois o cheiro dos gases de escape
realmente lembram a bebida.
Seu lançamento
completa 40 anos nesta quinta-feira (5). Mais do que o primeiro carro a álcool
brasileiro, o Fiat 147 foi o primeiro de produção em série no mundo.
Era a resposta
brasileira à crise do petróleo de 1973, quando os países árabes organizados na
OPEP aumentaram o preço do barril de petróleo em mais de 400%.
Com a criação do
Programa Nacional do Álcool (Pró-álcool), em 1975, o governo brasileiro tinha o
objetivo de estimular a produção de álcool e passar a usar o álcool – que mais
tarde teria seu nome corrigido para etanol – tanto misturado à gasolina, como
combustível.
Para isso,
além do esforço para estimular a criação de novas usinas, houve incentivos
fiscais e empréstimos bancários a juros baixos para produtores de
cana-de-açúcar e fabricantes de automóveis.
Na Fiat, o
desenvolvimento do 147 a álcool começou logo após o lançamento do modelo. Ainda
em 1976 a Fiat exibiu no Salão do Automóvel um dos primeiros protótipos, já com
algumas dezenas de milhares de quilômetros acumulados.
Logo no início
do projeto a Fiat optou por trabalhar no 1.3 8V Fiasa, que se mostrou mais
adequado que o irmão de 1.050 cm³ para a adaptação ao álcool.
O que seria
aprendido dali em diante viria de tentativas, erros, experimentos e dos muitos
quilômetros rodados em testes.
Era a
indústria reaprendendo a acertar um motor. É mais difícil vaporizar o álcool,
que forma gotículas maiores e precisa ser injetado em maior quantidade que a
gasolina, por conta do poder calorífico
menor que o da gasolina.
O poder
corrosivo do etanol era outro entrave. Isso exigiu modificações contínuas nos
materiais usados em todo o sistema de alimentação (tanque de combustível,
bomba, tubulações, mangueiras, carburador e etc.).
O tanque, que
era revestido internamente com chumbo, ganhou revestimento de estanho. Já os
componentes do motor receberam uma camada de níquel químico, capaz de proteger
os metais da ação corrosiva.
Tudo isso
ainda não evitava um problema crônico do carro a álcool: a partida a frio.
A solução de
ter um tanquinho exclusivo para a gasolina para dar partida no motor frio,
ainda usada em alguns carros flex hoje, já e estava presente no Fiat 147.
Mas o
acionamento não era automático: era necessário apertar um botão no painel, que
acionava a bomba elétrica (a mesma usada no lavador do para-brisa). Esta, por
sua vez, injetava gasolina no coletor de admissão.
Havia ainda a válvula
Thermac, encarregada de levar ar aquecido pelo coletor de escapamento para
dentro do motor durante a fase de aquecimento. Assim, evitava-se falhas do
motor nos primeiros momentos após ser ligado.
“Nós tinhamos
os lugares frios, como Campos do Jordão, para testar os carros. Mas, no fim,
contratamos cabines frigoríficas para colocar os carros, pois eram muitas as
experiências a serem feitas e não dava para esperar de manhã para ter 5°C”,
conta Robson Cotta, gerente de Engenharia Experimental da FCA que trabalhou no
desenvolvimento do 147 a álcool.
Quando pronto,
o motor 1.3 a álcool tinha taxa de compressão de 11,2:1, contra 7,5:1 da versão
a gasolina. A potência, porém, subiu apenas 1 cv, de 61 para 62 cv, sendo 11,5
mkgf de torque – contra 9,9 mkgf.
Enquanto o
primeiro Fiat 147 foi parar em uma concessionária do Rio de Janeiro – que o
preserva até hoje –, o primeiro 147 a álcool pertence ao Ministério da Fazenda,
onde foi usado por mais de 30 anos.
O que revela a
importância desse carro não é o chassi, que mantém a mesma sequência dos a
gasolina, mas uma plaqueta de alumínio instalada no painel pelo próprio
Ministério.
Talvez tenha
sido ela a responsável pelo carro estar tão original e bem cuidado mesmo após
rodar mais de 80.000 km.
QUATRO RODAS
teve a oportunidade de dirigir este exemplar na pista de testes da fábrica da
Fiat, em Betim (MG), de onde ele saiu há 40 anos.
A experiência
foi quase completa: o 147 não pegou de primeira, mas não precisou de injeção de
gasolina. Foi só girar a chave mais uma vez que o 1.3 Fiasa acordou sem falhar.
O cheiro quase
inebriante de cachaça logo ganhou a cabine, que é até bem aproveitada para um
carro de 3,62 m de comprimento, 1,54 m de largura e 2,22 m de entre-eixos.
Interfere positivamente aí o fato de também ter sido o primeiro carro nacional
com motor transversal.
O cinto é
abdominal, o banco não tem encosto de cabeça, o volante é claramente deslocado
para a direita e só há um retrovisor externo, do lado esquerdo.
Em
compensação, os pedais deslocados para a direita – como em parte dos Fiat de
hoje – facilitam a adaptação.
Movimento a
alavanca, mas fica dúvida se a primeira marcha engatou corretamente. O câmbio
de quatro marchas do 147 sempre foi muito criticado pelos engates, mas desta
vez a culpa era da embreagem já alta pelo desgaste dos anos.
O motor 1.3
faz o 147 embalar rápido e logo me pego a 80 km/h procurando a quinta marcha,
que não existe. As relações de marcha são próximas entre si, o que de certa
forma explica a agilidade do pequeno Fiat.
Embora seu
tempo de 0 a 100 km/h deva ficar ao redor dos 18 segundos, é um carro
instigante.
Me aproximo da
curva e a sensação do pedal de freio deixa um pouco de medo. Há discos na
dianteira e tambores na traseira, mas falta assistência: é preciso aplicar
força ao pedal até sentir o freio reagir.
Para um carro
de 40 anos, até que ele para bem.
A suspensão
independente nas quatro rodas confere estabilidade ao pequeno Fiat, e a direção
sem qualquer assistência é leve. Não poderia ser diferente: é um carro com 790
kg calçado com pneus 145/80 13.
Tudo é muito
natural e sem filtro, dando uma boa sensação de liberdade que os carros novos
não dão. E muitos motores flex de hoje não têm funcionamento tão suave com
álcool como esse 1.3 de 40 anos atrás.
Como era ter
um carro a álcool?
No início,
havia apenas 20 bombas de álcool em postos de combustíveis das quatro
principais capitais brasileiras (Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília e Recife),
mas esse número logo subiu. O interesse no combustível, também.
Ao detectar o
desvio do combustível de origem vegetal, seja para fabricação de cosméticos,
seja para falsificar bebidas, o governo impôs a necessidade de um adesivo no
para-brisas que autorizava o abastecimento daquele veículo com álcool.
Além dos
incentivos fiscais, o carro a álcool possuía a vantagem de poder ser
reabastecido aos finais de semana, quando a venda de gasolina em postos era
proibida.
Além disso, o
álcool tinha preço fixado em 65% do valor da gasolina em todo o país. Como a
diferença de rendimento é de 30%, compensava.
Deu certo.
70,7% dos carros vendidos na década de 1980 eram movidos a álcool.
Poderia ser
melhor não fosse o desabastecimento de álcool em 1989, provocado pelo aumento
do valor do açúcar no mercado internacional. Os usineiros preteriram o álcool
em favor do açúcar, levando à falta do combustível nos postos.
Com o valor do
álcool cada vez mais próximo do da gasolina ao longo dos anos 1990, a produção
dos carros a álcool entrou em forte declínio.
Em 2000 era
difícil encontrar um carro novo a álcool nas lojas: quem quisesse um, teria que
encomendar.
O álcool
voltaria a ganhar atenção em 2003, com o início da comercialização do VW Gol
flex. Após um período traumático, a possibilidade de escolher o combustível
mais vantajoso no momento deu uma nova chance ao combustível vegetal.
Agora, a Fiat
pode mudar o futuro do álcool com o projeto do motor
E4. Seu objetivo é queimar apenas álcool com a mesma eficiência dos
motores a gasolina. Mas ele só deverá ficar pronto em 2022.










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