Biscoito Globo, Rio de Janeiro, Brasil
Artigo
Uma mistura de polvilho, gordura, leite e ovos. A receita do Biscoito
Globo, um ícone do Rio de Janeiro, é simples e se mantém a mesma desde que
Milton Ponce, um dos responsáveis pela marca, aprendeu a fabricar o quitute
ainda adolescente, na padaria de um primo. Mas há um detalhe aí: essa padaria
ficava no bairro do Ipiranga, em São Paulo.
Ponce levou o biscoito para o Rio em 1955, durante o 36º Congresso
Eucarístico Internacional, onde obteve vendas bem acima do previsto. O jovem
resolveu, então, mudar-se para a capital fluminense e abrir uma fábrica no
bairro de Botafogo, onde permaneceu fabricando os mesmos biscoitos. Mais tarde,
em 1965, com a entrada de um novo sócio para a expansão do negócio – Francisco
Torrão, um português que saberia administrar padarias -, a iguaria, cuja
receita permanece idêntica até hoje, passou a receber o nome de Biscoito Globo,
muito "mais carioca" do que o até então Biscoitos Felippe – na época
ainda não existia a emissora de televisão homônima, apenas o jornal, vale
lembrar.
A história está em "Ó, O Globo!", espécie de biografia do
alimento que será lançada no começo de fevereiro pela Valentina. A autora, Ana
Beatriz Manier, uma apaixonada pela marca e pelo Rio de Janeiro, olha para os
fatos de uma maneira um pouco diferente, no entanto. "Embora eu adore São
Paulo, dizer assim, na lata, que o meu carioquíssimo biscoito Globo é paulista
logo me faz reagir!", brinca. "A receita do biscoito de polvilho
ainda hoje usada, o 'como fazer' e sua forma de distribuição sim, vieram da
padaria paulista, embora todos saibamos que biscoitos de polvilho são de origem
mineira. O biscoito, porém, tinha outro nome e nunca teria se tornado o que é
se não fosse o temperamento descontraído do carioca, que o aceitou de imediato
e o permitiu crescer", argumenta.
A venda nas praias em uma época na qual pouco ou nada havia de comida
sendo comercializada nas areias do Rio se mostrou um fator decisivo para o
sucesso do biscoito, que se transformou em uma referência de petisco à
beira-mar.
"Eu diria que esse sucesso não se repete em outros lugares porque o
casamento Biscoito Globo e carioca é um casamento perfeito, daqueles que jamais
seria a mesma coisa em outro lugar", diz Ana. Segundo a
autora, há ainda fatores diversos que pesaram consideravelmente para que o
petisco se tornasse uma referência do Rio:
"Desde que surgiu, quando ainda nem tinha o nome 'Globo', ele já
era um produto leve, saudável, gostoso de comer. Tinha aparência de produto
artesanal bem-feito, era embalado com capricho e inspirava confiança no
consumidor. Somada a isso, a forma de distribuição: desde seu início, o
biscoito tanto era oferecido a quilo para outras padarias, quanto vendido
diretamente ao consumidor em saquinhos semelhantes aos de hoje, e por
vendedores ambulantes que estavam sempre à procura de lugares com boa
aglomeração de gente. O principal deles, a praia".
Os ambulantes, aliás, também estão presentes no livro. Com um capítulo
inteiro dedicado a eles – que somam entre 350 e 500 profissionais, cujas vendas
se dividem em 70% de biscoitos salgados e 30% de biscoitos doces -, conhecemos
pessoas como Denilson Guedes, o Bandeirinha, que há mais de 30 anos
comercializa produtos na praia de Copacaba e há cinco se tornou uma espécie de
líder de um movimento que visa regular o ofício que exerce. Outro que surge nas
páginas de Ana é Luis Soares da Silva, o Ligeirinho, paraibano que ganhou o
apelido por conta da velocidade que percorre a praia comercializando mate de
barril e Biscoito Globo.
Entre elementos da história cultural do Rio de Janeiro, detalhes da vida
dos empreendedores por trás da marca e diversas curiosidades – como os
desdobramentos da crítica negativa que o New York Times fez do alimento no ano
passado –, há também um encarte com imagens e fotos históricas, além de um
espaço no qual fãs anônimos e famosos, como Ziraldo, Eduardo Paes, Evandro Mesquita
e Helô Pinheiro, dão depoimentos sobre o Globo.
"Já perdi a conta do número de vezes em que o Biscoito Globo me
salvou a vida no passado. Na rua, às pressas, entre um compromisso e outro de
trabalho e sem tempo para almoçar, era só esticar o braço e aparecia um
providencial vendedor – para me dar prazer e mitigar a fome. O incrível do
Biscoito Globo é que ele não é gostoso só quando você está com fome. Acho que
ele iria bem até no meio de uma feijoada. A outra coisa importante para mim é
que, quando volto de alguma viagem – e os que me conhecem sabem que não gosto
de sair do Rio –, a melhor maneira de constatar que estou de novo em casa é
quando vejo à venda um saco do Biscoito Globo", relata, por exemplo, o
escritor e jornalista Ruy Castro, outro fã confesso da, talvez, a mais carioca
das iguarias.
P.S.: Eu, paulistano de nascimento e ribeirãopretano de coração, experimentei os dois (doce e salgado) na Praia de Copacabana quando estive no Rio de Janeiro. Achei sem sabor e sem graça, parecido com o que o jornalista do New York Times disse. Mas é uma questão de gosto. Prove e tire suas próprias conclusões.
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