Chineses Coolies Atravessando o Rio Missouri, Estados Unidos (Chinese Coolies Crossing the Missouri River) - Leavitt Burnham
Publicado na Harper's Weekly
Estados Unidos
Desenho - 1870
Coolie (também
grafado cooly, culi, kuli, quli, koelie) é
um termo usado historicamente para designar trabalhadores braçais oriundos
da Ásia, especialmente da China e
da Índia, durante o século XIX e início do século XX. Atualmente, nos países de língua inglesa, o termo é considerado como um apelido
pejorativo e racista para as pessoas de
ascendência asiática.
Em 1727
o naturalista alemão Engelbert
Kämpfer descreveu coolies como
sendo trabalhadores portuários responsáveis por descarregar navios mercantes holandeses em Nagasáqui, no Japão. De acordo com o Oxford English Dictionary a
palavra data de meados do século XVII, e remonta ao termo hindi/urdu qulī (क़ुली na primeira, قلی na segunda), que significa
"trabalhador(-diário)". Esta forma hindustâni tem
uma uvular velar inicial (um som estranho aos índicos que
indica claramente sua origem estrangeira. Provavelmente é um empréstimo de
uma língua turcomana (através
do persa), possivelmente uma redução do árabe ghulam, "servo", "criado". Outras
hipóteses apontariam para Kulī,
uma tribo natural do Guzerate ou à palavra tâmil kuli (கூலி), "salários" porém tais semelhanças foram
indicadas como possíveis coincidências. Outra forma semelhante ao
hindi qūlī é o bengali kuli,
que também tem a mesma origem do urdu qulī ou kulī,
"escravo", possivelmente influenciado pelo turco otomano qul (turco moderno köle),
que também significaria "escravo".
A palavra chinesa 苦力 (pinyin: kǔlì)
significa literalmente "(uso) amargamente severo (de) força". O termo
chinês mais utilizado culturalmente é 咕喱 (pinyin: gū lí).
Quando
entrou pela primeira vez para os idiomas ocidentais, coolie era um termo designativo, que descrevia uma classe
de trabalhadores de baixo status social, e não um termo pejorativo para se referir a
eles. No entanto, após séculos de colonialismo e desigualdade social terem
sido associados a esta classe, o termo assumiu todas as características de
uma ofensa étnica aplicada
a pessoas de origem asiática, independentemente de suas profissões ou classe
socioeconômica.
Já na década de 1850, em Trinidad, o festival anual de Muharram ou Hosay, que tinha sua origem na Índia, era conhecido como "o Carnaval Coolie".
Por todas as ilhas do Caribe, bem como no Sri Lanka, África do Sul, e em outros lugares, a palavra passou a indicar
qualquer pessoa de origem ou ascendência indiana.
Da metade para o fim do século XIX nos Estados Unidos, o termo coolie e tudo que estava associado com o "estereótipo coolie"
passaram a ser usados para satirizar ou depreciar os imigrantes de origem chinesa,
especialmente os donos de lavanderias ou restaurantes.
O termo era
usado com trabalhadores da Ásia, especialmente os que eram enviados para
as Américas, Oceania e ilhas do Pacífico, bem
como à África (especialmente África do Sul e ilhas como Maurício e Reunião). Também era utilizado em áreas da Ásia que estavam
sob domínio europeu, como Sri Lanka, Malásia, Xangai e Hong Kong.
A escravidão era bem difundida pelo Império Britânico, porém
pressões políticas fizeram com que ela fosse abolida oficialmente pelo Slave Trade Act
1807; em poucas décadas diversas outras nações europeias
haviam seguido o exemplo e banido a prática. O sistema de trabalho colonial, no entanto, tanto nas grandes plantações de cana-de-açúcar e algodãoquanto em minas e ferrovias, exigia uma mão de obra barata.
Diversos experimentos foram realizados com o
uso de trabalhadores malgaxes, japoneses, bretões, portugueses, iemenitas e congoleses, até que se acabasse optando pelos indianos, que foram inicialmente enviados para diversas ilhas
no Oceano Índico, leste e sul da
África, Fiji, Guiana, Martinica, Trinidad, Jamaica, Granada e Panamá. Com o tempo coolies chineses também foram enviados ao Novo Mundo, inicialmente para trabalhar em poços de guano,
no Peru, em plantações de cana em Cuba e
na construção das ferrovias nos Estados Unidos e na Colúmbia Britânica (Canadá).
O comércio de coolies passou
a ser visto como "uma nova forma de escravidão".
Após a
abolição da escravatura havia uma grave falta de mão de obra em diversas
colônias europeias. Embora os trabalhadores pudessem ser recrutados através de
negociações voluntárias, era evidente que fraude e má fé eram práticas comuns e
até mesmo sequestros chegavam a ocorrer, na busca por esta mão de obra barata.
A maior parte da força de trabalho recrutada
da Índia era feita para as colônias britânicas, através de "agentes
coloniais" que viajavam para lá, onde contratavam os serviços de arkatias ("recrutadores"),
que conheciam os locais onde era mais comum encontrar os candidatos para estes
trabalhos. Procurava-se uma média de quatro trabalhadoras mulheres para cada
dez homens, porém as mulheres eram mais difíceis de serem encontradas - e as
alegações de falsas promessas e sequestros parecem plausíveis neste caso.
"Depósitos de emigração" foram montados em Calcutá, Madras e Bombaim.
Diversos migrantes vieram voluntariamente,
oriundos das camadas mais pobres das populações de Madras, Bengala, Orissa, Uttar Pradesh e Bihar.
O sistema ganhou impulso à medida que as políticas britânicas destruíram as
indústrias, fazendas e pequenos negócios locais através da taxação e do sistema zamindar.
A fome foi um dos grandes responsáveis por este fluxo
populacional para fora da Índia por décadas.
Por volta de 1845, com o fim da
primeira Guerra do Ópio (1840-1842),
um centro para emigração em Shantou organizou uma rede que
transportava chineses de Guangdong, Amoy e Macau para
as Américas, especialmente para as minas de prata do
Peru e as plantações de
açúcar de Cuba e outras ilhas das Índias Ocidentais. A maior
parte deles teria sido sequestrado da província de Guangdong.
Trabalhadores envidividados da Indochina foram recrutados pela França, e enviados a outras colônias
francesas.
O comércio dos coolies foi criticado por ser injusto para os
trabalhadores, e por consistir numa escravidão de facto. Os trabalhadores eram transportados dentro de
navios lotados, e muitos acabavam morrendo durante as viagens por desnutrição,
doenças ou outros tipos de abusos. Motins também eram frequentes durante os
trajetos. O navio Dea del
Mar, que partiu de Macau para Callao, no Peru, em 1865, levando 550 trabalhadores chineses a
bordo, chegou ao Taiti com 162 deles vivos.
Este movimento populacional devido ao
trabalho era chamado de comércio, na medida em que recordava o status atribuído
aos escravos, considerados uma peça de mobília que podia ser herdada
legalmente. Embora os coolies fossem
classificados como trabalhadores
contratuais, com um contrato de cinco anos, resquícios da escravidão
permaneciam em suas relações com os empregadores, e frequentemente havia uma
disparidade considerável entre a letra da lei e sua aplicação. Diversos
estudiosos do comércio dos coolies relataram
condições desumanas, com atos como a flagelação, o abuso sexual e o confinamento restritivo sendo práticas
constantes. Diversos destes trabalhadores não conseguiam reconquistar a
liberdade depois de servir os cinco anos nas plantações, como estipulavam seus
contratos. A mesma situação predominava nas Índias Ocidentais e em Maurício. Ao
contrário dos escravos, no entanto, estes trabalhadores importados não podiam
ser vendidos ou comprados.
Um número
enorme de coolies tâmeis foi enviado ao Sri Lanka pelos britânicos, para
trabalhar em plantações de cháe café; a prática também serviu para aumentar as populações
minoritárias da ilha. Esta foi a segunda onda de migração tâmil para ao Sri
Lanka, depois que os tâmeis haviam se instalado em Jaffna para trabalhar para os holandeses nas plantações
de tabaco. Esta tática de alteração demográfica foi usada pelos
britânicos para controlar a população nativa cingalesa da ilha, que havia se revoltado diversas vezes
contra a dominação colonial. O mesmo tipo de colonização foi realizado na
Malásia.
Na Índia e na África do Sul Mahatma Gandhi liderou uma campanha contra este tipo de
trabalho contratual. Diversos dos empregados que haviam ido à África acabaram
por permanecer lá e se tornar imigrante, o que causou problemas sociais, especialmente na
África. A província de Natal da União da África do Sul e
o Quênia estavam particularmente repletos destes
imigrantes. No Transvaal, com o fim da Segunda Guerra Bôer, a
falta de mão de obra nativa africana nas minas do Rand levou
à promulgação de um decreto em fevereiro de 1904 solicitando a importação de
trabalhadores chineses. A população bôer no Transvall se opôs ferozmente a este decreto,
alegando que ele introduziria um fator novo às tensões já sérias do país; a
questão também foi responsável pela vitória do Partido Liberal nas eleições gerais do Reino Unido de 1906, altura em que mais de
50.000 trabalhadores asiáticos já tinham sido importados.
A decisão de pôr um fim a este tipo de
servidão contratual afetou primeiro Natal e Maurício, em 1910; as outras
regiões começaram a sentir os efeitos em 1917.
A imigração
chinesa para os Estados Unidos foi quase totalmente voluntária, porém as
condições sociais e de trabalho ainda eram duras:
Em 1868, o Tratado de
Burlingame aboliu a antiga lei de proibição do governo chinês e
inundou o país com migrantes chineses. Porém apenas uma década mais tarde, a
economia americana entrou em declínio e os trabalhadores chineses foram
contratados para ocupar o lugar dos trabalhadores brancos quando estes entraram
em greve. Durante estes anos de desemprego e depressão econômica, o sentimento
anti-chinês cresceu no país, incitado por demagogos como Dennis Kearney, de
São Francisco, que pregava diante de multidões que "para um americano a
morte é preferível a estar em pé de igualdade com o chinês."
Embora a mão
de obra chinesa tenha contribuído para a construção da Ferrovia Transcontinental,
nos Estados Unidos, e da Ferrovia Canadense do Pacífico, no oeste do Canadá, a vinda de
chineses foi desencorajada após o fim destas obras. A Lei Anti-Coolie
de 1962, da Califórnia, e a Lei de Exclusão dos Chineses de 1882 contribuíram para a
opressão dos trabalhadores chineses do país.
Apesar das tentativas de restringir o influxo
de mão de obra barata da China, a partir da década de 1870 trabalhadores
chineses desempenharam um papel indispensável na construção de uma vasta rede
de diques no Delta do Rio Sacramento-São Joaquim. Estes diques permitiram o
uso de milhares de acres de terras férteis para a produção agricultural.
De acordo com a Constituição do Estado da Califórnia (1879):
A presença de estrangeiros que
não podem se tornar cidadãos dos Estados Unidos é declarada como perigosa ao
bem-estar do estado, e a Legislatura deverá desencorajar sua imigração por
todos os meios em seu poder. O coolieísmo asiático
é uma forma de escravidão humana, e como tal está proibida para sempre neste
estado, e todos os contratos envolvendo trabalho de coolies deverá ser anulado. Todas as
companhias e corporações, sejam elas formadas neste país ou em qualquer país
estrangeiro, destinadas a importação de tal tipo de mão de obra, estará sujeita
às penas prescritas por esta Legislatura.
Trabalhadores chineses contratados também
trabalharam nas plantações de cana-de-açúcar de Cuba muito tempo depois da
abolição da escravidão naquele país, ocorrida em 1884. Diversos estudiosos
discutem se os coolies chineses
de Cuba deveriam ser chamados de "escravos"; muitos, como Juan
Pastrana e Juan Perez de la Riva, enfatizaram as condições horrendas de vida
dos trabalhadores chineses no país, e afirmam categoricamente que eram escravos
em tudo, menos no nome. Antes da Revolução Cubana de
1959, Havana tinha o maior bairro chinês da América Latina.
Na América do Sul, trabalhadores contratados chineses trabalharam
nas minas de prata do Peru e nas indústrias costeiras (guano,
açúcar e algodão), do início da década de 1850 a meados da década de 1870;
cerca de 100.000 indivíduos imigraram para estes serviços. Participaram
da Guerra do Pacífico,
saqueando e incendiando as haciendas onde trabalharam, logo após a conquista
de Lima pelo exército chileno em
janeiro de 1880.
Entre 1836 e 1917 pelo menos "238.000
indianos foram introduzidos [na] Guiana Britânica, 145.000
em Trinidad, 21.500 na Jamaica, 39.000 em Guadalupe, 34.000 no Suriname, 1.550 em Santa Lúcia, 1.820 em São Vicente e Granadinas e
2.570 em Granada. Em 1859 existiam 6.748 em Martinica." Embora estas
estatísticas sejam incompletas, elas seriam "suficientes para mostrar uma
introdução total de quase meio milhões de indianos no Caribe".
Enquanto a escravidão dos negros foi abolida
em 1848, em Guadalupe e no restante das Índias Ocidentais francesas coolies continuaram a ser
importados de 1854 a 1889, e só receberam a cidadania francesa em 1923, como
resultado de uma disputa de nove anos nos tribunais locais entre Henry Sidambarom (fr)
e o governo francês.
Outro homem que se notabilizou por defender a
causa dos coolies foi Adolph von
Plevitz, que denunciou os tratamentos desumanos infligidos sobre os
trabalhadores nas ilhas Maurício.
Antes
da abolição da escravatura, o governo brasileiro procurou outras formas de mão
de obra para a lavoura. Em 1879, o governo tentou contratar coolies chineses,
seguindo o exemplo dos Estados Unidos e Canadá.
Em 1879, o Brasil enviou uma missão diplomática à China. Moreira de Barros obteve o apoio do influente visconde de Sinimbu, porém encontrou
forte oposição do deputado Joaquim Nabuco, na Câmara Geral (atual Câmara dos Deputados), e, também, da Inglaterra e de Portugal, que temiam a
imigração de chineses. Em 1883, foi fundada, no Rio de Janeiro, a Companhia Comércio e
Imigração Chinesa, que também não obteve sucesso por diversas razões, incluindo
a censura da Anti-Slavery
Society de Londres.
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