Museu Marítimo Santos
Brasil
Nos
194 anos da Independência do Brasil, recordamos a façanha da Fragata 'Nictheroy', extraordinário episódio
das campanhas navais do nascente Império Brasileiro contra a
esquadra do Reino de Portugal.
Comandada pelo Capitão John Taylor, entre 2 de
julho e 9 de novembro de 1823, a 'Nictheroy'
perseguiu os navios do Almirante Félix de Campos até a foz do Rio Tejo,
aprisionando em sua audaciosa jornada 19 embarcações.
Ao regressar à Pátria, Taylor apontou
a D. Pedro I o jovem grumete Joaquim Marques Lisboa, de 16 anos de idade,
enaltecendo ao imperador seu zelo, dedicação e coragem. Anos mais tarde, o
grumete tornar-se-ia o grande Almirante Tamandaré, a figura
mais célebre da Marinha de Guerra do Brasil, além de seu
patrono.
No Dia da
Independência, conheça a epopeia da Fragata 'Nictheroy', postagem que assinala a abertura do tópico
'História Marítima Brasileira'.
Em 7 de setembro de 1822, às
margens do riacho Ipiranga, D. Pedro deu o famoso grito que proclamou a
Independência do Brasil.
Todavia, nas regiões onde se concentravam o
grosso das tropas portuguesas, sobretudo nas Províncias da Cisplatina, da
Bahia, do Piauí, do Maranhão e do Grão-Pará, o rompimento do
príncipe-regente com as Cortes de Lisboa encontrara fortes
resistências.
Para minar a oposição oriunda especialmente da oficialidade
de origem portuguesa, José Bonifácio de Andrada e Silva, o Patriarca da
Independência, então ministro do recém criado governo
brasileiro, providenciou a compra de armas e navios, o recrutamento de
tropas nacionais e a contratação de mercenários estrangeiros para
preencher os quadros de oficiais da Marinha em formação. Aos que não aceitassem
a emancipação política do Brasil, o governo imperial adotara medidas
repressivas, tais como o confisco de bens e a expatriação. Enquanto
no plano econômico proibira-se o comércio com Portugal, no
diplomático autorizara-se a guerra de corso.
A epopeia da Fragata 'Nictheroy' situa-se na fase
final da campanha da armada imperial na Bahia. A capital da
Província, Salvador, encontrava-se ocupada pelas tropas portuguesas,
comandadas por Inácio Luís Madeira de Melo, que havia recebido do Reino um
reforço de 2.500 homens, a fim de fazer frente aos batalhões
patrióticos brasileiros formados por voluntários da própria capital e do
interior da província.
Em 3 de abril de 1823, uma esquadra
comandada pelo Almirante Lord Thomas Alexander Cochrane, partiu
do Rio de Janeiro para enfrentar a resistência portuguesa na Bahia. A força
naval imperial era formada pela Nau 'D.
Pedro I' (capitânia), Fragata 'Ypiranga', Corvetas 'Maria da Glória' e 'Liberal', os Brigues 'Real Pedro' e 'Guarany' e a intrépida
Fragata 'Nictheroy'.
Informações sobre as
origens da Fragata 'Nictheroy' são
extremamente escassas. Algumas fontes afirmam que foi construída nos arsenais
portugueses, enquanto outras indicam que foi adquirida no exterior, sendo
incorporada à Marinha Portuguesa em 1818, com o nome de'Sucesso'. Características técnicas
como comprimento, boca, calado e deslocamento também são uma
incógnita. Sabe-se apenas que possuía 36 canhões e uma tripulação de 400 homens.
Segundo historiadores navais portugueses, o navio nasceu sob
mau agouro. Em uma de suas primeiras aparições, em um desfile naval no Rio
Tejo, aconteceu um motim.
Ao eclodir o movimento de independência, a fragata encontrava-se
ancorada no porto do Rio de Janeiro, entregue a reparos e reaparelhamento no
Arsenal de Marinha. Incorporada à Marinha Imperial em 1823, recebeu o nome
de 'Nictheroy'
(conservamos a ortografia da época), em homenagem à antiga capital do Rio de
Janeiro. Trata-se do primeiro navio da Marinha do Brasil a ostentar a
denominação. Seu primeiro comandante foi John Taylor, um
Capitão-Tenente britânico que servira com Lord Nelson em Trafalgar,
admitido por decreto na Marinha Imperial Brasileira como Capitão-de-Fragata.
Logo que
comunicado da aproximação da esquadra brasileira rumo a Salvador, o
almirante português Félix Pereira de Campos fez-se ao mar com uma esquadra de
12 navios, composta pela Nau 'D.
João VI' pelas Fragatas 'Constituição' e 'Pérola', pela Charrua 'Princesa Real', pela Escuna 'Príncipe Real', pelas Corvetas 'Calipso', 'Dez de Fevereiro', 'São
Gualter', 'Regeneração' e 'Princesa Real', o Brigue 'Audaz' e a Sumaca 'Conceição'. Porém, durante a partida, a nau 'D. João VI' encalhou,
pelo que só a 30 de abril a esquadra portuguesa conseguiu deixar a baía. Nessa
altura, a esquadra de Cochrane tinha desaparecido, só voltando a ser
avistada, muito ao longe, ao entardecer de 3 de maio.
Ao nascer do Sol do dia 4 de maio, as duas esquadras estavam
novamente à vista uma da outra. A brasileira encontrava-se a cerca de 24 milhas
a lés-sudeste da ponta de Santo António; a
portuguesa, aproximadamente a 12 milhas a sudoeste daquela ponta. Ao
ser avistado o inimigo, a esquadra portuguesa virou imediatamente e
dirigiu-se para norte, visando a interceptação, com os navios formados em
duas colunas paralelas. A coluna de barlavento era composta pela Nau 'D. João VI', de 74 peças,
seguida pela Fragata 'Constituição',
de 50, pela Escuna 'Príncipe
Real', de 26, pela Charrua 'Princesa Real', de 28, e pelas Corvetas 'Calipso', de 22 peças, e 'Dez de Fevereiro', de 26; a
coluna de sotavento era encabeçada pela Fragata 'Pérola', de 44 peças, seguida pelas Corvetas 'São Gualter', de 26, 'Regeneração', de 22, e 'Princesa Real', de 24. O
Brigue 'Audaz', de 18
peças, e a Sumaca 'Conceição', de
6, haviam sido destacados para reconhecer o inimigo, sendo mandados regressar à
formação pelas sete horas da manhã. Em conjunto, a esquadra portuguesa
totalizava 366 canhões.
A armada imperial encontrava-se formada numa única
coluna. À frente vinha a Nau 'D.
Pedro I', seguida pelas Fragatas 'Ypiranga' e 'Nictheroy', pela Corveta 'Maria da Glória' e, por
fim, consideravelmente atrasados em relação a esta, a Corveta 'Liberal' e o Brigue 'Real Pedro'; a
boreste da coluna, navegava o Brigue 'Guarany'. Ao todo, a esquadra brasileira dispunha de 242
canhões, ou seja, menos 124 que a esquadra portuguesa, o que representava
indiscutivelmente uma diferença considerável.
Ao meio-dia, as duas esquadras
estavam relativamente próximas, mas o vento era cada vez mais fraco, depois de
ter mudado para lés-nordeste, determinando uma aproximação vagarosa.
Entretanto, os navios brasileiros tinham içado o pavilhão verde e ouro, por
entre os vivas das guarnições.
Muito lentamente, as duas longas colunas de navios continuavam a
aproximar-se. Tudo fazia crer que, ao chegar ao alcance de tiro, Cochrane,
como lhe competia por estar a barlavento, orçaria de modo a ficar com os seus
navios dispostos segundo um alinhamento paralelo ao dos portugueses. Mas não
foi isso que aconteceu. Cochrane, como aliás a maior parte dos oficiais
ingleses da sua geração, era um fervoroso discípulo da escola de Nelson, a qual
ao invés da velha tática do duelo de artilharia entre duas colunas, que
raramente conduzia a resultados decisivos, empregava a tática de cortar
deliberadamente a coluna inimiga, embora à custa de um elevado risco, a fim de
obter marcada superioridade no ponto de ruptura e, desse modo, ter a
possibilidade de capturar um número significativo de navios inimigos.
Cochrane notara que entre
a Escuna 'Príncipe Real' e
a Charrua 'Princesa Real' havia
um intervalo considerável e não hesitou em aproveitá-lo para cortar a coluna
portuguesa nesse ponto e tentar aniquilar a sua retaguarda antes que o centro e
a vanguarda pudessem socorrê-la. Assim, por volta da 16:00 horas, tendo chegado
à distância de tiro, em vez de orçar, como seria de esperar, arribou em cheio e
passou com a Nau 'D. Pedro I' entre
aqueles dois navios, disparando furiosamente a sua artilharia e mosquetaria por
ambos os bordos!
A 'Princesa
Real' respondeu arribando um pouco, de forma a conservar a 'D. Pedro I' dentro do
campo de tiro da sua bateria, enquanto a Escuna 'Príncipe Real' seguia em frente, acompanhando
o movimento da coluna em que se achava integrada. Minutos depois a Fragata 'Ypiranga' tomava posição
pela alheta de boreste da Charrua 'Princesa Real', juntando o fogo de seus canhões com a 'D. Pedro I'. Nesta luta
desigual de um fraco contra dois fortes, o navio português sofreu graves
avarias no aparelho e no costado e teve dois mortos e quinze feridos, alguns
dos quais viriam a falecer pouco depois. Não obstante, ao ser intimado por
Cochrane a render-se, recusou-se a fazê-lo, continuando a responder
animosamente ao fogo dos seus adversários.
Chegara a vez da Fragata 'Nictheroy' atacar a
Corveta 'Calipso'. Esta,
porém, não estando disposta a bater-se sozinha contra um navio muito mais
forte, arribou e fez força de vela, afastando-se para sotavento. O mesmo fez a
Corveta 'Dez de Fevereiro' quando
se sentiu ameaçada pela aproximação da Corveta 'Maria da Glória'. A batalha se resumiu ao violento -
embora curto - combate travado entre a Charrua portuguesa 'Príncipe Real' e os dois
navios brasileiros que a atacaram, quais sejam, a Nau 'D. Pedro I' e a Fragata 'Ypiranga'.
Entretanto, durante o combate, surgiram
problemas nas guarnições dos navios da esquadra de Cochrane. Os marinheiros da
Corveta 'Liberal' e
dos Brigues 'Real Pedro' e 'Guarani', todos eles
portugueses, recusaram-se abertamente a entrar em ação, declarando que
“portugueses não se batem contra portugueses!”. Nos outros navios em que
os marinheiros portugueses estavam misturados com ingleses, não tomaram aqueles
uma atitude tão frontal, mas iam fazendo toda a resistência passiva que podiam.
No ponto alto do combate, o fiel da artilharia, o escoteiro e um cabo da 'D. Pedro I' fecharam à
chave o paiol da pólvora e declararam peremptoriamente que dali não haveria de
sair mais pólvora para atirar sobre portugueses! Dominados pela força, foram
todos detidos.
Surpreendido pela inesperada manobra de Cochrane, o Almirante
Félix de Campos nada mais pôde fazer do que mandar virar em roda a sua
vanguarda e o seu centro e ir em socorro da retaguarda. Mas o almirante inglês
não esperou por ele. Tendo perdido a confiança nas suas guarnições não estava
disposto a envolver-se numa batalha em clara inferioridade numérica. Por isso,
cortou a 'Princesa Real' pela
proa e, depois de a ter acertado com mais uma salva, orçou e seguiu para o
sul, procurando abrigo na baia do morro de São Paulo e João Feliz. Os outros
navios da esquadra brasileira acompanharam os movimentos da capitânia.
Face à desorganização completa de sua esquadra, o Almirante
Félix de Campos só conseguiu empreender a perseguição das
unidades brasileiras algumas horas depois, já ao cair da noite do dia 4 de maio.
Ao amanhecer do dia 5 de maio, a esquadra de Cochrane já não era mais
avistada. A força naval portuguesa continuou em patrulha ao largo de Salvador
até o dia 21 de maio, quando recolheu-se ao porto para reabastecimento, sem que
os navios de Cochrane fossem novamente avistados.
A partir de então, acompanhada da Corveta 'Maria da Glória', a Nau 'D. Pedro I' passou a
fustigar os navios mercantes portugueses ao largo ou fundeados próximos a
Salvador, realizando por fim o bloqueio desse porto.
Em 2 de julho de 1823, já
ficando sem suprimentos devido ao bloqueio naval, o general português Madeira
de Melo, zarpou para a Europa com uma força de 78 navios, escoltados por
13 vasos de guerra do Almirante Félix de Campos, sendo então
perseguidos pela Esquadra Imperial Brasileira e, mais tarde, apenas pela
Fragata 'Nictheroy'.
Sob o comando do Capitão-de-Fragata John Taylor, a 'Nictheroy' continuou a caça
aos navios inimigos, seguindo-os através do Atol das Rocas, Cabo Verde,
Açores e chegando próximo à foz do Rio Tejo. No retorno ao Brasil, passou
pelas Canárias, Ilha de São Nicolau e Fernando de Noronha. Ao longo do
percurso, a indômita fragata imperial efetuou o aprisionamento de 19
embarcações (4 delas no caminho de volta), causando grandes prejuízos à
Marinha Portuguesa.
Os navios portugueses aprisionados durante o cruzeiro da Fragata 'Nictheroy' foram:
1. Santa Rita
2. São José do Triunfo
3. Grão-Pará
4. Alegre
5. União
6. Correio de São Miguel
7. Esperança
8. Vigilante
9. Bonsucesso
10. Prazeres
11. Alegria
12. Nova Amazonas
13. São José
14. Paquete de Setúbal
15. São Manoel Augusto
16. Emília
17. Santo Antônio
18. Triunfo
19. Harmonia
Ao fim da bem sucedida expedição de corso, um violento temporal
obrigara Taylor a picar o mastro de mezena (popa) e lançar ao mar a
artilharia da tolda. Somente em 9 de novembro, quase cinco meses após o
início da grande epopeia, já sem água e mantimentos, a 'Nictheroy' aportou
em Salvador.
Ao regressar ao Rio de Janeiro, John Taylor apontou ao
imperador D. Pedro I um jovem grumete, enaltecendo-lhe o zelo, a
dedicação e a coragem demonstrados durante toda a campanha
naval. Chamava-se Joaquim Marques Lisboa e contava então tenros 16 anos de
idade. Anos mais tarde, aquele simples grumete, um praça inferior
de Marinha, aprendiz que a bordo faz a limpeza e ajuda os marinheiros nos
diferentes trabalhos, tornar-se-ia o célebre Almirante Tamandaré, o
patrono da Marinha de Guerra do Brasil, cujo dia de nascimento (13 de Dezembro)
assinala o Dia do Marinheiro, confundindo-se sua trajetória de
vida com a própria história da Marinha Imperial.
Em abril de 1824, após sua
participação gloriosa na Guerra de Independência, a Fragata 'Nictheroy' integrou a
Divisão bloqueadora de Recife, sob comando de Taylor,
então Capitão-de-Mar-e-Guerra, por ocasião dos combates contra a
Confederação do Equador. A Divisão era composta também pela Fragata 'Piranga', Brigue 'Bahia', Escuna 'Leopoldina' e Charrua 'Gentil Americana'.
Em 1825, esteve presente na Guerra da
Cisplatina, combatendo a frota de navios corsários argentinos.
Em abril de 1826, sob os comandos do Capitão-de-Mar-e-Guerra James
Norton e do Capitão-de-Fragata Frederico Mariath, fez toda a campanha do Rio da
Prata, sobressaindo-se na defesa da Fragata 'Imperatriz' (26
de abril) e nos combates dos bancos de Ortiz (3 de maio) e Lara-Quilmes (29 e
30 de junho), quando colocou fora de combate a fragata argentina '25 de Mayo'.
Entre os anos de 1831 e 1834, depois de tantos serviços prestados
ao Império nascente, a 'Nictheroy' encontrava-se
já com o casco podre, desarmada e encostada no porto do Rio de Janeiro.
Em 1836, dezoito anos após seu lançamento ao mar, tão jovem quanto o novo
país que ajudara a nascer, a heroica fragata foi finalmente retirada de
serviço.
Entretanto, como bem cantou o poeta, "o valor das
coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que
acontecem" - Fernando Pessoa.
Fonte : https://www.museumaritimo.com.br/single-post/2016/09/07/A-epopeia-da-Fragata-Nichteroy
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