Igreja de São Francisco de Assis, Ouro Preto, Minas Gerais, Brasil
Ouro Preto - MG
Fotografia
A Igreja de São Francisco de Assis é uma igreja católica da cidade de Ouro Preto, Brasil, construída em estilo Barroco, com elementos decorativos Rococó.
É um dos monumentos mais significativos da
arte colonial, uma das mais conhecidas igrejas brasileiras daquele período e
uma das mais celebradas criações do mestre Aleijadinho, que elaborou o projeto básico da fachada e da
decoração em relevos e talha dourada, realizando pessoalmente diversos de seus
elementos, ainda que outros artistas também tenham colaborado.
Ali também se encontram trabalhos do Mestre Ataíde, o maior nome da pintura colonial brasileira,
que decorou o teto da nave criando aquela que se tornou sua composição mais
famosa, além de pintar outros painéis e dourar o altar-mor. Pela sua relevância
extraordinária, a Igreja foi tombada pelo Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), foi classificada em
2009 como uma das Sete Maravilhas
de Origem Portuguesa no Mundo, e integrando a Cidade Histórica de Ouro Preto é
parte do Patrimônio da Humanidade.
A Igreja foi
erguida pela Ordem Terceira
de São Francisco de Assis. Em torno de 1765 iniciou a preparação do
terreno, e em 1766 as obras foram arrematadas pelo mestre pedreiro Domingos Moreira de Oliveira, seguindo um projeto de Aleijadinho. Contudo, a autorização oficial para a ereção do
templo só veio em 1771. Como era o hábito na época, a construção foi iniciada a
partir da capela-mor. Os trabalhos corriam rápido, e
em 1774 já estava coberta, começando a decoração interna em talha e estuque sob a direção de Aleijadinho. Dele são os púlpitos em pedra-sabão instalados junto ao arco do
cruzeiro. O altar-mor foi erguido entre 1790 e
1794.
Na sequência, passou-se à construção da
fachada e frontispício, com a portada projetada pelo
Aleijadinho. Em 1787 o desenho das torres foi modificado e o telhado foi instalado
em 1788. As obras de alvenaria só foram terminadas em 1794 pelo mestre
Oliveira. Faltava ainda a decoração da nave. Os altares laterais também foram
projetados por Aleijadinho, mas sua construção tardou, sendo executados somente
a partir de 1829, arrastando-se até 1890. Manuel da Costa Ataíde foi
encarregado da pintura do teto da nave, dos painéis da capela-mor e da nave e
do douramento e pintura da talha da capela-mor, iniciando em 1801 e concluindo
em 1812. Em 1801 também foram ocluídos os vãos nas laterais com a construção de
um telhado e arcadas, a fim de evitar a infiltração de umidade que se
verificava.
Em fins do século XIX foram instalados
ladrilhos no piso e a antiga escadaria de acesso foi demolida. Em 1935 foi
construído um cemitério anexo à capela-mor. No século XX a igreja passou por
vários trabalhos de conservação e restauro levados a cabo pela antiga
Inspetoria de Monumentos Nacionais e pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).
A Igreja de São Francisco de Assis é considerada uma obra-prima da arte
colonial brasileira, e tem chamado a atenção dos intelectuais brasileiros e
estrangeiros desde que o Barroco, depois de mais de um século de desprezo,
voltou a ser recuperado pela crítica internacional. Mário de Andrade foi um dos que deixaram, no início do século XX, um
testemunho positivo sobre esta e as outras igrejas projetadas pelo Aleijadinho,
artista a quem se atribui — junto com seu frequente colaborador, o Mestre
Ataíde — grande papel na formulação de uma estética que se revelou um dos
primeiros momentos de originalidade na tradição cultural cultivada numa então
colônia fortemente dependente de Portugal em todos os sentidos. Porém, escrevendo em um período
em que a estética oitocentista ainda enfrentava grande rejeição, ele de certa
forma ainda precisava justificar-se para seus leitores, como que "se
desculpando" por apreciá-la, e seu texto é ilustrativo também porque
revela a confusão conceitual que ainda pairava sobre a definição de Barroco
naquele momento em que este tema apenas começava a ser desbravado pelos
historiadores, e que no Brasil foi erigido como ponto de apoio fundamental na
tentativa de definição do que seria a verdadeira identidade cultural da nação. Diz ele:
"É certo que elas [as igrejas de Aleijadinho] não possuem
majestade, como bem denunciou Saint-Hilaire. Mas a majestade não faz parte do Brasileiro, embora faça
parte comum da nossa paisagem. Carece, no entanto, compreender que o sublime não implica exatamente majestade. Não é preciso ser
ingente para ser sublime. As igrejas do Aleijadinho não se acomodam com o
apelativo 'belo', próprio à São Pedro de Roma, à catedral de Reims, à Batalha, ou à horrível São Marcos de Veneza. Mas são muito lindas, são bonitas como o
quê. São dum sublime pequenino, dum equilíbrio, duma pureza tão bem
arranjadinha e sossegada, que são feitas pra querer bem ou pra acarinhar, que
nem na cantiga nordestina. São barrocas, não tem dúvida, mas a sua lógica e
equilíbrio de solução é tão perfeito, que o jesuitismo desaparece, o enfeite se
aplica com uma naturalidade tamanha, que si o estilo é barroco, o sentimento é
renascente [renascentista]. O Aleijadinho soube ser arquiteto de engenharia.
Escapou genialmente da luxuosidade, da superfectação, do movimento inquietador,
do dramático, conservando uma clareza, uma claridade é melhor, puramente da Renascença".
A igreja foi tombada pelo Serviço do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional, o antecessor do IPHAN, já em 1938, um dos primeiros monumentos
protegidos pela instituição que foi fundada por outros intelectuais que estavam
envolvidos com as mesmas preocupações de Mário de Andrade a respeito do resgate
e legitimação do passado colonial, naquela que já foi chamada de a "fase
heroica do IPHAN".Hoje o antigo rechaço pelo Barroco já foi
amplamente dissolvido, e mesmo os turistas já entendem a Igreja de São Francisco
como a principal atração de Ouro Preto. A Igreja foi destacada individualmente
quando a UNESCO declarou a Cidade Histórica de
Ouro Preto como Patrimônio da
Humanidade, considerando-a uma obra-prima da arquitetura brasileira e um dos principais monumentos do Barroco nacional.
A planta baixa tem grande originalidade, rompendo com os
padrões mais antigos baseados nas fachadas planas, abolindo os deambulatórios em torno da nave, obturando o óculo da fachada com um relevo e recuando as torres em
relação à fachada, definindo-as em um formato cilíndrico. Sua estrutura geral tem afinidade com o Barroco italiano e português, mas traz também elementos
do Rococó, visíveis especialmente na decoração. É umas das maiores realizações
de Aleijadinho. Segundo John Bury, que pode ser considerado uma
das mais importantes referências no estudo da arte colonial brasileira,
"O Aleijadinho foi basicamente um entalhador
ou escultor de ornatos, tendo executado figuras e ornamentos para as fachadas e
interiores das igrejas. Trabalhava com madeira e pedra. Mas, nas fachadas de
suas igrejas, a escultura está a tal ponto integrada ao projeto arquitetônico,
que Aleijadinho também faz jus, de certa forma, ao título de arquiteto,
paralelamente ao de escultor. Segundo consta, esse duplo status foi reconhecido em sua
própria época, embora as distinções formais entre o papel de pedreiro, arquiteto
e escultor fossem, ao que parece, menos precisas do que hoje. A estimativa do
seu trabalho não pode, em consequência, se limitar à sua obra de escultura e
talha. Deve também incluir o estilo de arquitetura decorada, que predominou por
curto tempo nos principais centros urbanos de Minas Gerais, nas últimas décadas
do século XVIII e os primeiros anos do XIX".
"Os elementos borromínicos se concentram sobretudo na fachada e nas
torres laterais, sendo o plano geral convencional: nave e coro retangulares,
com passagens laterais que levam à sacristia, arranjo que segue diretamente o
precedente das grandes igrejas matrizes. Entretanto, na fachada mantém-se a
antiquada disposição diagonal das janelas, ilustrando a popularidade do esquema
de fenestração em V, em Minas, mesmo depois de já ter sido abandonada na maior
parte do Império Português".
"Sem observar em detalhe a elevação frontal
[...] não se pode apreciar devidamente a engenhosa organização desta
bem-sucedida composição 'borromínica'. Em primeiro lugar, é marcante o
tratamento tridimensional da fachada, enfatizando muito mais a profundidade do
que, por exemplo, a fachada sinuosa da Igreja do Carmo em Ouro Preto. A parte
central se projeta marcadamente, ligando-se à superfície convexa das torres
recuadas por meio de trechos de paredes côncavas que têm janelas próprias,
enriquecendo o efeito global. O efeito tridimensional é ainda acentuado pelo
uso de colunas em vez das costumeiras pilastras". [...]
"Em segundo lugar, o elemento central da
fachada não é a costumeira janela. [...] Em vez disso, vemos um medalhão
esculpido em alto-relevo. [...] Esta centralidade se faz realçar pela maneira
como o medalhão interrompe o entablamento, que se desvia para contorná-lo, formando uma
moldura". [...]
"Outro aspecto que
merece exame [é] a relação entre a fachada e as duas torres laterais que
representam uma tendência à dualidade. São concorrentes em potencial que
ameaçam a unidade e a harmonia da composição global. Aqui, porém, essas
tendências centrífugas são contrabalançadas por uma engenhosa disposição que,
deliberada ou não, bem merece uma análise. Em primeiro lugar, o arranjo dos
vãos, centrado no medalhão, liga uma torre à outra e ambas à fachada. [...] Em
segundo lugar, a fachada domina as torres, e assim as integra efetivamente".
Destaca-se
na fachada o grande relevo esculpido por Aleijadinho que envolve a portada e se
harmoniza ao frontispício, dando-lhe impactante efeito arquitetural. Germain Bazin considerava este elemento a obra-prima do
artista. Disse ele: [É surpreendente que] "a realização
mais perfeita desse Rococó português aconteça no Brasil, e não na Metrópole, e
que seja devida a um mestiço". De fato, a contribuição negra e mestiça já
tem sido reconhecida como crucial na construção da arte brasileira.
As pilastras de capitel compósito sustentam fragmentos de arco, sobre os
quais se assentam anjos, ladeando dois medalhões com as armas franciscanas e as
do Reino de Portugal,
assentes sobre rocalhas e cabeças de querubins centralizados na vergada
porta. Acima deste conjunto, um medalhão de maiores dimensões ostenta a imagem
da Virgem Maria orante, ornado com
faixas e guirlandas e encimado por uma grande coroa real. Acima de tudo surge
um grande relevo instalado no lugar do tradicional óculo, com a cena de São
Francisco recebendo os estigmas do Cristo seráfico. O frontão, ladeado por arcos quebrados sinuosos, é coroado por
uma grande cruz de Lorena entre
duas esferas em chamas.
A nave é
decorada com seis altares laterais, executados tardiamente no século XIX, com
uma rica ornamentação em estilo Rococó. O projeto foi de Aleijadinho, mas a
execução pode ter simplificado o desenho primitivo, conforme pensava Bazin, que
encontrou dificuldades de reconhecer o estilo do mestre na obra realizada.
Quase todas as estátuas devocionais instaladas nos nichos são santos de roca.
No arco do cruzeiro, de vulto monumental,
foram instalados os púlpitos de Aleijadinho, que estão entre suas primeiras
criações como escultor e que servem como parâmetro comparativo para suas
produções não documentadas com segurança. Eles se combinam ao arco em uma
composição coerente, dando entrada à capela-mor. Esta também foi concebida como
uma unidade decorativa. A abóbada conta com medalhões com figuras em relevo
de Santo Antônio de Pádua, São Conrado, São Boaventura e Santo Ivo, mas diferenças na qualidade da execução indicam a
participação de assistentes.
O retábulo é uma complexa composição em forma de arco de triunfo coroado por várias figuras, incluindo
anjos, a Santíssima Trindadee
a Imaculada Conceição,
que emolduram um trono escalonado. Segundo Oliveira & Campos,
é a obra máxima da talha rococó da região mineira, destacando "o movimento
rotativo das elegantes colunas externas e o tratamento predominantemente
escultórico da rocalha e demais motivos ornamentais, só encontrados na talha do
Aleijadinho". O forro mostra relevos e quatro Doutores da Igreja. Nas paredes há uma série de painéis com
cenas da vida de Abraão em estilo imitando a pintura
de azulejos, e dois grandes quadros no nível superior.
O teto da nave mostra a mais
afamada composição do Mestre Ataíde, uma glorificação de Nossa Senhora da
Porciúncula cercada de
anjos músicos. Os traços da Virgem são identificados como os de uma mulata —
acredita-se que tenham sido inspirados nos da sua esposa — e são interpretados
como uma das suas contribuições para a criação de uma estética voltada à
realidade nacional e como uma escolha radicalmente inovadora para seu tempo,
quando eram fortíssimos os preconceitos de cor e Jesus e Maria eram
invariavelmente representados como brancos. Outras figuras nesta e em outras de
suas composições têm traços semelhantes. Carlos del Negro analisou outros
aspectos da obra:
"O tom aconchegante e
acariciante da luz que banha toda a composição do medalhão revela um certo grau
de intimidade, consonância e vibração dos habitantes desse céu. Todas as
figuras da composição só têm autonomia em função do conjunto. A orquestra é um
segundo centro da composição pictórica pois determina a distribuição espacial
do músicos. Poderíamos dizer que nesse forro ele pintou uma partitura e
executou uma pintura. Essa talvez tenha sido a inovação mais importante da
pintura de Ataíde: introduzir no universo iconográfico da pintura religiosa a
música; entra-se no céu ao som musical de uma orquestra celestial. A
transposição da música para o paraíso, revela o valor estético e sagrado que
esta linguagem adquiriu no simbolismo religioso das Minas Gerais".
Entretanto, naquele período
a arte deveria, mais do que simplesmente ornamentar os espaços, principalmente
edificar o devoto. Em torno da festiva cena central Ataíde pintou admoestações,
como os medalhões e faixas com os motos Vanitas vanitatum e Memento
mori, que significam respectivamente Vaidade das vaidades, e Lembra que morrerás, significando que
vida na Terra é efêmera e ilusória, uma sofrida peregrinação necessária para a
conquista da Salvação eterna. A própria cena da Virgem, em que predomina a
alegria, é uma ilustração da recompensa por uma vida virtuosa e temente a Deus.
Outros elementos reforçam a doutrina que a pintura deveria transmitir através
dos símbolos e imagens: uma vela acesa significa o tempo que passa; uma
ampulheta caída, a morte; um açoite, a necessidade de penitência. Os santos e
mártires que compõem as cenas secundárias também ali estão para transmitir
mensagens precisas, cujo significado está no conhecimento da vida que levaram e
da obra que deixaram.
Desde sua
fundação a Igreja de São Francisco deu origem a expressivo corpo de tradições
religiosas e culturais, sendo especialmente notáveis as que dizem respeito
à Semana Santa. Na Quinta-feira Santa ocorre a tradicional
cerimônia do Lava-pés, que recorda a humildade de Jesus.
Na Sexta-feira é encenado, no adro da Igreja, o Descendimento da Cruz, seguido
pela Procissão do Enterro. No domingo de Páscoa um ostensório com o Santíssimo Sacramento é
levado na Procissão da Ressurreição — uma das mais concorridas da Semana Santa
— até a Igreja do Rosário. Todo o trajeto é coberto por um tapete de
serragem com desenhos, as casas decoram suas janelas e varandas com panos
multicores, os devotos vestem roupas que espelham seus votos e promessas, e o
desenrolar da procissão é acompanhado pelo toque dos sinos das igrejas da cidade.
Além de cumprirem o calendário festivo do Catolicismo, as cerimônias da Semana
Santa em Ouro Preto atraem grosso número de turistas interessados no
conhecimento de expressões de um folclore que tem séculos de história e continua atraindo
também as novas gerações.
Outras festividades de relevo ao longo do ano
são as comemorações dos onomásticos de alguns santos. São Roque, em 16 de
agosto, que inicia com um triduo, depois
celebra-se missa solene e ocorre procissão luminosa. A festa encerra com a
bênção do Santíssimo Sacramento, ao mesmo tempo em que pães bentos e água benta
são distribuídos para os fiéis. São Francisco de Assis,
o orago da Igreja, tem festejos ao longo de nove dias,
rezando-se uma novena que culmina em 4 de outubro
com missa solene, procissão e a bênção do Santíssimo.
Na Igreja também são realizados com
regularidade concertos de música orquestral e vocal, apresentando-se
composições de autores coloniais.
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