Calicute - Índia
Sociedade de Geografia de Lisboa
OST - 307x368 - 1898
Após 80 anos de
intensas batalhas e muita luta, os portugueses finalmente encontram o caminho
marítimo para as Índias. Em 18 de maio de 1498, Vasco da Gama e seus homens
avistaram o monte Eli na costa do Malabar na Índia, dois dias depois fundeiam
no porto de Calicute. Estava cumprida a viagem que é considerada o marco do
início da dominação europeia na Ásia.
Após vencer dois
oceanos e andar mais de vinte mil quilômetros, a viagem de Lisboa a Calicute
durou seis meses, Vasco da Gama volta a Portugal com seu navio com amostras de
pedras preciosas, tecidos e especiarias provando que atingiram o Oriente. Um
verdadeiro marco na navegação mundial. Fato que é motivo de orgulho ainda hoje
para o povo português.
Vasco da Gama rompeu
uma grande barreia comercial que mudou a história do comércio mundial para
sempre, seu feito foi o grande trunfo e marca do poderio português na época.
Esse grande passo para o comércio mundial também causou cenas que no mínimo
eram de se imaginar constrangedoras.
Nossos
colegas lusos, espanhóis, franceses, italianos, entre outros, eram bravos e
destemidos guerreiros que saíram de uma Europa com fortes resquícios medievais,
com quase nenhuma infra-estrutura na área de saúde, esgotos e etc. Soma-se a
tudo isso as condições precárias pelas quais nossos marinheiros navegavam em
direção ao novo mundo naquela época. Elaine Sanceau, umas das minhas escritoras
favoritas sobre os grandes nomes da navegação portuguesa, descreve
brilhantemente os homens que habitavam aquelas naus, diz ela: eram todos heróis no campo de batalha e crianças estragadas fora
dele.
Voltando
a Gama e seus homens, em 28 de maio de 1498, Gama ordena que seus navios
sejam preparados tanto com armas como homens a bordo em suas melhores roupas.
Vasco da Gama e mais 13 homens são designados para irem a terra. Já em
terra visitaram um templo hindu onde encontraram muitas representações de
divindades indianas das quais algumas possuíam muitos braços trazendo
estranheza aos portugueses.
Gama
e seus homens finalmente são levados para o palácio do Rája de Calicute seguido
por uma multidão de curiosos. Temos então um choque diplomático no mínimo
inusitado
.
A
região que Vasco da Gama chegou era parte do império hindu de
Vijayanagar que estava em seu auge. Calicute era o porto do império no
oceano índico enquanto a capital Vijayanagar era o centro de um grande sistema
político localizado mais ao centro no sul da atual Índia. Esse império era
riquíssimo e sua capital tinha uma atividade econômica bastante opulenta.
Dizia-se que via-se mais tecidos de seda do que algodão e que lá havia as
mulheres mais belas do mundo.
O
comércio prosperava e jóias eram vendidas a céu aberto, tal era a segurança
oferecida pelos governantes locais aos mercadores da região, atitude altamente
popular se você deseja que a classe comerciante lhe apoie, ainda mais se ela
for de maioria religiosa diferente, no caso mulçumana. O Samorim de
Calicute era o responsável por lidar com as questões comerciais da região do
Malabar e proporcionar a estabilidade e segurança aos mercadores em sua maioria
mercadores árabes. Uma aliança delicada e frágil entre hindus e mulçumanos
estava consolidada na região, mas uma nova peça inesperada chegou para
encaixar. Agora havia os cristãos portugueses carregando a fama ruim dos
problemas que tiveram na costa africana. Tínhamos três grandes religiões
misturadas em um ambiente de muitas trocas comercias e dinheiro, resumindo em
uma palavra: encrenca.
No
momento das apresentações diplomáticas, os presentes ofertados pelos europeus
consistiam de objetos simples, tratava-se de chapéus, quatro colares, seis
bacias de cobre, algumas poucas peças de seda, dois barris de azeite e dois de
açúcar e mel, em resumo uma afronta. Esperava-se muito mais de um visitante com
aspiração comercial. Constrangido, Gama justificou-se que o propósito era
estabelecer um primeiro vínculo com a rica coroa portuguesa que ele representava.
Seus presentes antes que chegassem as mãos do nobre indiano foram previamente
bloqueados pelo feitor que os examinou. Em uma situação tensa e constrangedora
o feitor riu justificando que esse tipo de oferenda nem um pobre mercador
ousaria fazer. Fernanda de Camargo reforça que a aproximação com o Samorim de Calicut foi de fato muito inábil, e
as rações do fidalgo português (…), … primaram
pela grande agressividade. O presente adequando seria o
ouro, nobre metal que por muitos anos viajou da glória do império romano
para a Índia. Essa era a polaridade, dos visitantes, incluso Europa, recebia-se
o ouro, uma paixão local.
Vasco
da Gama não se banhava a mais de um ano, não só por conta da expedição, mas por
que afinal, um banho de corpo inteiro era comum na Europa apenas duas
vezes por ano, seus odores não eram dos melhores e sua alimentação e de seus
homens durante aquele período também não. Foram então conhecer o salão real, os
sacerdotes do Rája borrifavam perfume nos
visitantes a fim de aliviar os Cheiros de Corpos e pediram para que os mesmos tapassem a
boca com a mão esquerda ao dirigirem a palavra ao Samorim, Glafer pediu também
aos visitantes para não tocarem com os lábios na prata dos copos que iriam
beber água e não sabendo beber dessa forma engasgavam, erravam a boca e se
molhavam fazendo a diversão do Samorim, além disso, solicitou que os ilustres
viajantes que evitam-se o escarro e o arroto.
O
Samorim em sua sala estava sentado envolto em uma túnica bordada com rosas de
ouro, almofadas de seda enfeitadas também com o cobiçado metal, rubis enfeitam
suas roupas. Seus cabelos sedosos, levava nos dedos pesados anéis de ouro e
suas unhas dos pés e das mãos esmaltadas, braceletes de ouro e pedrarias
ornavam seus braços descobertos e seu hálito perfumado por uma mistura de
cânfora e âmbar e faziam daquele encontro o encontro dos extremos.
Antes
de se vestir era tradição local dos nobres, passar no corpo uma pasta
perfumada, além de talco, almíscar e outras essências. A barba e o bigode eram
aparados e os homens se depilavam. Além disso, o ambiente era perfumado com
incenso e os nobres mastigavam uma mistura de especiarias e bétele, essa última
uma especiaria da família das piperáceas, a mesma da pimenta preta que tem como
objetivo melhorar o hálito e confortar o estômago. O resultado dessa mastigação
era descartado em uma escarradeira de ouro.
Gama
queria agradar e resolveu agir com os locais. Diante do Rája, saudou o indiano
erguendo suas mãos juntas frente ao peito, reproduzindo algo parecido com
um prônam mudrá, gesto típico de saudação dos hindus até hoje
bem conhecido e estereotipado no ocidente quando se quer passar um “ar
indiano”. Nada de mais efetivo aconteceu, a noite chegou e o primeiro encontro
entre o navegador e o Rája foi finalizado com promessa de um novo encontro.
Gama
foi mais uma vez advertido dos cuidados que teria no trato com o Samorim, mas
uma vez, os locais sugeriram que fossem cautelosos em ouvir e
responder, e terem as orelhas mais prontas no seu proveito que na eloquência da
embaixada. Para ter calma, pois era de praxe que os visitantes não
solicitassem visitas ao Rei local, que eles se apresentassem somente quando o
Samorim solicitasse e que era costume local dos príncipes não darem ouvidos
a alguém sem lhe primeiro levar alguma cousa. Curiosamente já
se sabia que para se comercializar com aqueles ricos mercadores e governantes
precisariam de muito ouro e prata.
Esse conhecimento
básico, os europeus já detinham desde a época dos romanos 1500 anos antes como
descrevemos anteriormente. Tais oferendas já tinham sido bem aceitas e serviram
para aproximação e escambo nos portos das tribos africanos anteriores, mas
soaram como ofensas a um rei coberto de pedras preciosas e seda. Será que o Rei
português achou que Vasco talvez ainda não obtivesse êxito e conseguisse apenas
se aproximar um pouco mais da Índia. Lembremo-nos que as naus tinham a chance
de afundar, valeria a pena encher as naus de outro e prata e lançarem-na junto
ao desconhecido? O melhor era uma viagem de exploração e não ainda de comércio.
Os conselheiros do
Rája indiano permitiram uma nova audiência com os europeus. Gama teve que
esperar por quatro horas a frente de uma porta. A essa altura os comerciantes
mulçumanos já conspiravam contra os cristãos junto ao soberano hindu. Vasco da
Gama informou ao hindu que seu reino possuía tanto ouro, prata, sedas e muitas
outras preciosas mercadorias e pedrarias quando o reino dele possuía de pimenta
preta e outras especiarias e que ele havia se deslocado até lá por saber as importância
e fama que o Rája hindu tinha na região. Mas contra esse namoro luso-indiano
havia um inimigo declarado: os mercadores locais mulçumanos.
Diziam
que o capitão português era um “pirata cruel e de instinto sangrento” e que
seus homens tinham fama de vagabundos. Os mouros alegavam ao rei hindu que os
portugueses estavam mentindo, que suas cartas oficiais eram falsas, que não
estavam em nome de um Rei distante e poderoso e que isso era provado pela
pobreza dos presentes que ofertaram.
Nessa nova audiência
Gama só poderia ser acompanhado de mais dois homens. O clima do segundo
encontro não era dos melhores e o Samorim questionou a pobreza dos presentes
ofertados e em resposta Gama justifica-se respondendo que veio em uma missão de
contato como um embaixador, por tanto trazia cartas, e não como um comerciante
e que em uma próxima missão ele cuidaria para que os presentes chegassem até o
soberano. Estava provocada a situação que desencadearia a descoberta do Brasil
por Cabral dois anos depois criada a necessidade de se impressionar o
empertigado hindu.
Os
portugueses descobrem que Calicute é maior e mais poderosa que Lisboa, peças de
arte, enfeites egípcios e venezianos são moedas de troca em uma cidade que
comercializa com o mundo. Calicute não era o fim do mundo, era o lugar onde
tudo acontecia. As preciosas especiarias estavam todas lá: o almíscar e o
ruibarbo, gengibre, cravo da Índia, canela e noz-moscada, etc. Essas
informações obtidas pelos portugueses com a expedição de Gama foi evidenciada pela
carta que o rei português enviou aos Reis Católicos espanhóis e dizia: “(…) acharam grandes cidades de grandes edifícios, ricos e de
grande povoação, nas quais se faz todo o trato de especiaria e pedraria (…) e
trouxeram canela, cravo, gengibre, e outros modos de especiaria”.
Justamente com essas notícias que Isabel a Católica se enfurece com Colombo,
percebendo de vez que o genovês não tinha chegado a Índia mesmo. A Índia de
Colombo infelizmente não era a Índia de Vasco da Gama.
As negociações foram
fracas, a partir desse momento as relações entre o Rája hindu, os comerciantes
mulçumanos e os cristãos foram se deteriorando cada vez mais. Antes de ir
embora, Gama e seus homens estreitaram as relações com a maioria hindu local
que parecia mais amistosa do que os comerciantes mulçumanos preocupados não
tanto com a concorrência, mas com a segurança e na estabilidade do comércio que
lá ocorria, fatos que efetivamente ocorreram posteriormente.
Receosos dos portugueses, os árabes venderam suas
especiarias com qualidade duvidosa, e seu pagamento é feito pelos portugueses
com rubis. Vasco da Gama não obtém a quantidade de especiarias que desejava,
por pouco sua tripulação não foi toda dizimada pelos mercadores árabes nada
contentes com o infiel “acampado com seus navios em seu quintal”. Pressionaram
ferozmente o Rája indiano, inclusive ofertando propinas enormes ao Samorim para
que ele destruísse os navios portugueses. Em uma situação tensa os mouros
insistiam para que os navios portugueses atracassem em terra e não ficassem
sempre em prontidão para zarpar,a ideia era incendiar as naus portuguesas e
prendê-los em terra. Vasco da Gama soube também de naus vindo de Meca formavam
um força moura para dizimá-los e que as manobras burocráticas eram uma maneira
de tardar a saída dos cristãos daquelas terras.
Após muita tensão
por conta da negociação para que os portugueses pagassem taxas portuárias e
troca de reféns. Vasco da Gama parte para sua viagem de retorno a pátria amada
com apenas dois navios e 55 homens, fugindo de uma eventual grande armada árabe
a caminho de Calicute. Mas o que realmente importava era voltar e mostrar
ao ocidente que os lusos estiveram na terra das Especiarias e Colombo não.
A armada de Vasco da Gama partiu de Calecute a 29 de agosto e chegou a Lisboa exatamente um ano depois, depois de várias escalas. Foi recebido em triunfo com festejos públicos e com grande satisfação do rei D. Manuel, que lhe concedeu o título de Conde da Vidigueira.
A armada de Vasco da Gama partiu de Calecute a 29 de agosto e chegou a Lisboa exatamente um ano depois, depois de várias escalas. Foi recebido em triunfo com festejos públicos e com grande satisfação do rei D. Manuel, que lhe concedeu o título de Conde da Vidigueira.
A viagem foi um
sucesso político evidente, porque comprovou a viabilidade do projeto de D. João
II e de D. Manuel e inaugurou a ligação marítima direta entre a Europa e a
Ásia.
Há que relembrar que
várias figuras na corte tinham encarado a viagem com ceticismo e que o conselho
do rei tinha votado contra a sua realização. Porém, a carga de pimenta trazida
pela armada era modesta e as dúvidas, equívocos e percalços da estadia em
Calecute ensombravam o sucesso da viagem.
Nenhum comentário:
Postar um comentário